terça-feira, 19 de outubro de 2010

UM HOMEM FELIZ



Há dias passados, saí de casa pela manhã, bastante aborrecido. Na véspera, quase às 18 horas, num engarrafamento do trânsito, bem ali defronte a AABB, um “gajo” usando uma camionete de duas boleias, ultrapassou-me com tanta velocidade, tirando fino, que além do susto deixou pendurado o retrovisor do meu carro. Naquele congestionamento, nada pude fazer, a não ser, voltar pra casa e fazer uma avaliação da ocorrência.

Saí à procura de alguém que resolvesse o problema.

Fui perguntando a um e a outro e, finalmente, encontrei quem me orientou:
 “Vá na avenida 3 com a 11 no Alecrim, lá você encontra quem entende de retrovisor.”

O Alecrim é um bairro, para quem não conhece, um Deus nos acuda! Ruas identificadas por números (os nomes são ignorados), barulhentas, congestionadas, lixo por toda parte, comércio popular intenso com pessoas no meio das ruas oferecendo todo tipo de mercadoria e serviços, desde peças de reposição para automóveis, TVs e computadores.

Circulando lentamente pela Av. 3, consegui chegar ao tal cruzamento indicado. Mal acabara de entrar na Av. 11, uma voz feminina, aos berros, me abordava: “É retrovisor ?” Confirmei, e a pessoa me indicou o lugar para estacionar.

Logo aproximou-se um rapazola de uns 25 anos, usando roupas um tanto descuidadas no aspecto e na limpeza. “É você o especialista em retrovisor?” perguntei, ele confirmou com um aceno de cabeça e foi logo apalpando a peça sinistrada. Fez um exame superficial e adiantou: “Por 35 paus deixo ele zerado”. Meio desconfiado, autorizei o serviço.


O jovem já trazia nas mãos algumas ferramentas de trabalho, sem demora iniciou o serviço, agindo rápido e enquanto trabalhava, cantarolava aquela música popular de Reginaldo Rossi:

“Garçom, aqui nesta mesa de bar... ”

Foi aí que perguntei: “Onde está a sua oficina?

- “É aqui mesmo no meio da rua embaixo dessa árvore”.
A minha insegurança aumentou, mas como já havia autorizado o serviço, resolvi pagar pra ver. Em poucos instantes o retrovisor estava todo desmontado em cima de uma bancada rústica, na sombra da árvore, confeccionada com pedaços de tábuas.
De vez em quando ele falava autoritariamente, para a mulher: “Traga uma chave de fenda do cabo amarelo!..”, e assim, todas as ferramenta que necessitava a mulher atendia prontamente. E ele seguia firme e rápido no ofício que escolheu como meio de sobrevivência, sempre cantarolando.


Nessa altura a jovem mulher, já demonstrando um adiantado estado de gestação, ofereceu-me uma cadeira para sentar, água e café, tudo servido ali mesmo embaixo árvore. Aceitei a cadeira e recusei o restante. O diligente rapaz olhou para mim me tranqüilizando: “Patrão, em meia hora tá tudo pronto”.

À medida que o tempo passava comecei a sentir confiança nele. O rapaz demonstrava que sabia o que estava fazendo e não perdia tempo com nada; enquanto trabalhava e cantarolava, via-se nele, apesar de ser jovem, um homem maduro, profissional qualificado e demonstrando satisfação no que fazia.

Dentro do prazo determinado, instalou no local o retrovisor reparado, e mostrando certo ar de vitória dirigiu-se a mim:
“Pronto chefe, veja se está a seu gosto.”

Perguntei quanto devia pagar, e ele repetiu os $35 paus como havia combinado. Paguei $40 pelo bom atendimento, e saí dali pensando que mesmo naquelas condições rudes, quase desumanas, ele fazia o seu trabalho com tanta presteza e dignidade, que apesar de tudo, aparentava ser“um homem feliz.”

Libertando-me do complicado trânsito do Alecrim, voltei para casa sem o mau humor que havia me assaltado naquele dia, e por incrível que pareça, me surpreendi solfejando a melodia brega de Reginaldo Rossi...

Garçom! Aqui!

Nessa mesa de bar

Você já cansou de escutar

Centenas de casos de amor...

Garçom!

No bar todo mundo é igual...


Bairro do Alecrim-Natal,RN

 
Fotos obtidas no Google

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