sábado, 4 de dezembro de 2010

APENAS UMA QUESTÃO DE MÉTODO




Tinha me desligado do Aeroclube de Joinville e gozava umas férias em Natal. Como ainda não sabia o que ia fazer, enchia o tempo indo ao hangar do aeroclube, visitar o FAIRCHILD-PT19 que eu havia trazido do Rio de Janeiro algum tempo atrás. 
 Na época, a pista de pouso  do Aeroclube funcionava no bairro de Capim Macio,  paralela a Av. Roberto Freire.

 Quando cheguei ao hangar encontrei o instrutor de voo Joel, às voltas com Zélísio, que já havia feito vários pousos e não tinha conseguido fazê-lo solar.  Joel me chamou reservadamente e pediu:

“Pery, você poderia dar um duplo, no PT19  naquele piloto, (apontando para a pessoa já sentado na cabine). Estou tentando desde ontem e o cara com mais de 100 horas de voo  não reage!... Já não sei o que fazer".       

 “– Vou tentar”, respondi.

Chamei o piloto que desembarcou do avião indo ao meu encontro, e logo iniciei um diálogo com ele:

 “- Zélisio, Joel pediu-me para voar com você e tentar lhe ajudar a fazer o seu voo solo. Houve algum aborrecimento entre você e ele?”  
“- Não”, respondeu.                                          
-“E o que está havendo que você não está conseguindo solar num avião tão fácil?”
 “– É melhor você tirar suas conclusões depois do vôo”, falou meio contrariado.

  Senti que havia algo atrapalhando e isso aumentava a insegurança e a dificuldade de comunicação entre ele e o instrutor. Caminhamos em direção do avião, Zélisio seguindo na minha frente foi logo tomando o assento do aluno.

Cheguei bem próximo a ele e falei:

Zélisio, você não é aluno principiante, é um piloto de 100 horas de voo, está sendo “checado” para fazer o seu  solo nesse avião. Portanto, o seu assento é o da frente.”

Foi quando  me revelou que Joel exigia que ele voasse no assento traseiro.

A partir daí, decidi orientá-lo com muita calma:

 “Pois de agora em diante, esqueça Joel, vá para o assento dianteiro, sente-se à vontade, descontraído, ambiente-se, verifique o painel, o manche, flaps,  o freio de estacionamento e veja que você está um pouco  mais alto em relação ao solo; quando for pousar terá de  ter cuidado no arredondamento.   Ponha o interfone acústico para que eu possa me comunicar com você.”

Como Zélisio já vinha treinando desde a véspera, não foi necessário as informações de pré-voo. Começou  acionando o motor, taxiou para a cabeceira da pista, estacionou e parou aguardando que eu desse a ordem de decolagem;

“- Se estiver me ouvindo bem, basta sinalizar com o polegar pra cima".   Confirmou com um OK! 

“Alinhe o avião no eixo da pista, calibre um pouco o compensador para posição de “cabrar”, aplique potência de decolagem e mantenha a reta.
Esse avião, ligeiramente “cabrado” como está, decola sozinho; quando atingir a velocidade  de voo  e ao chegar  a altura recomendada para o tráfego aéreo, curva de pequena inclinação para esquerda, nivele o avião, faça um voo paralelo à pista e inicie a preparação para o pouso, entendeu?”

    - “OK”, confirmou com segurança.

E lá fomos nós decolando daquela pista de grama de Capim Macio. Zélisio executando tudo certinho, seguindo a orientação, indo se preparar para realizar o primeiro pouso.

“Zélisio, escute bem, faça uma aproximação longa que fica mais fácil para a primeira vez. Venha de longe, com a pista na sua frente, reduzir o motor para 1500 RPM, baixar o Flap para 25%, manter a velocidade de segurança (120 KPH) perdendo altura, quando ultrapassar à cerca divisória da pista reduza todo o motor e aguarde; o chão chega rápido, nivele  avião e antes que ele toque na grama levante ligeiramente o nariz  um pouco  acima do horizonte e é só esperar. Avião no chão, aplicar os freios com cuidado,  um pé de cada vez, entendeu?
   
 “OK”- confirmou com determinação.

O pouso não foi perfeito, mas não dava para reprovar. Não pus as minhas mãos no comando; só no ultimo momento dei uma ajudazinha.
 
 Enquanto o avião taxiava na pista, falei pelo interfone:

“Zélisio - vamos decolar novamente e fazer mais um pouso. As recomendações são as mesmas. Não fique nervoso com a aproximação do chão, até porque, se algo de errado acontecer, solte os comandos que estou acompanhando, mesmo assim esse avião pousa sozinho!...”

As vezes seguintes foram uma repetição da primeira e naquele dia fizemos pelo menos uns cinco turnos de pista com  pousos sempre melhores.
A evolução do piloto recomendava que soltasse solo naquele momento senão ele começaria a regredir. 
Assim foi feito e Zélisio pôde comemorar o  solo no PT-19.

Esse modelo de avião foi projetado para instrução na formação dos pilotos da USAF, os americanos usaram no início da guerra até quando surgiu outro modelo (biplano Steirman) preferido pelo setor de ensino da Academia americana.

 O PT-19 foi cedido ao Brasil e por muito tempo formou os pilotos da FAB, no primeiro estágio do curso da nossa Academia. Depois foi cedido aos Aeroclubes e o ACRN recebeu logo dois; eu trouxe o primeiro e Paulo Serrano trouxe o segundo, do Rio de Janeiro para Natal.
 Provocado pela crise que o nosso clube passava, esses dois aviões foram recolhidos e encaminhados para o Aeroclube de Pernambuco que certamente ainda estão por lá.     
Um belo avião dos mais fácil que já voei. Tinha uma aerodinâmica perfeita que, mesmo um aviador iniciante o conduzia sem dificuldades. O avião corrigia qualquer erro na pilotagem. 

Era o preferido por todo aviador que o conhecia.  


Foto obtida no GOOGLE

Um comentário:

  1. Olá, Pery

    Voce foi instrutor do Aeroclube do RN em 1956?

    Abs

    Marcos

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