sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

AULA DE NAVEGAÇÃO AÉREA


Culver LCA Cadet, N29398 was built in 1940


 Naquele ano de 1944 ainda fazíamos no aeroclube, uma aviação primitiva. Voávamos livre, sem qualquer controle ou apoio (aviões “treiner” não dispunham de rádio, não se fazia planos voos); recebíamos simplesmente instruções de pilotagem, dadas de favor, por alguns oficiais da aeronáutica. 
Soltavam o aluno solo e daí pra frente era uma auto-aprendizagem. Navegar naquelas condições era um problema; recorríamos aos mais antigos dos nossos, e íamos descobrindo como enfrentar todas as situações inusitadas que apareciam pela frente.Mesmo assim,não se perdia a motivação de voar,e quando vencia os nossos limites,sentiamos uma força de realização sem precedentes.
Foi assim que procurei Fabrício Pedroza, na época, o nosso presidente do clube, para receber a minha primeira aula de navegação aérea.  Fui à sua residência ali na Deodoro, esquina com a Rua José Pinto, levando um mapa escolar do Rio Grande do Norte, um transferidor de 360 graus, próprio para navegação aérea, uma caderneta de notas e uma lapiseira.
Abri o mapa sobre a mesa e Fabrício me perguntou se eu sabia algo sobre os pontos cardiais, meridianos e paralelos “Sim”, respondi. “Então fica mais fácil. Infelizmente esses mapas escolares são muito precários, mas é o que existe e vamos ter que usá-lo.”
 Com ajuda de uma régua traçou uma linha reta entre o aeroporto de Parnamirim e o campo de pouso da Fazenda São Joaquim de propriedade da sua família, localizada no município de São Romão, hoje Fernando Pedroza. 
E assim começou a aula:
“Essa reta significa rota que você irá fazer. Ela tem mais ou menos 200 km de distância. Comece a anotar os acidentes geográficos, estradas, vilas, fazendas que encontrar, não  esquecer de marcar se é do lado esquerdo  ou direito da rota. Os pontos principais (pico do Cabugi, por exemplo), medir a distância dele até Parnamirim. 
 Verificar a altitude da área à ser sobrevoada a fim de determinar a altura que você deve voar.
Ver o tempo de voo até o destino, consultar a velocidade do avião e checar a  autonomia do avião, considerando a possibilidade de ir para um campo de pouso alternativo, se for o caso. 
Determinar no mapa os pontos cardeais, para com ajuda do transferidor determinar o grau da rota a ser seguida. Lembre-se que para nós, aviadores, lidamos com dois pontos norte, o geográfico e o magnético; a bússola segue sempre o magnético, daí necessidade de se conhecer a declinação magnética do Rio Grande do Norte (nesta região  usávamos  menos 20 graus), fazer as correções e determinar o grau correto a seguir.”
Depois dessa explanação cheia de detalhes me adiantou:
 “Vou seguir amanhã cedo para São Joaquim, usarei o avião Culver, mais rápido do que o J-3 que você vai usar, decolo antes, e estarei lá lhe esperando”.
As 06,30 da manhã dei partida no Piper J-3, segui a risca todos aqueles detalhes e fui identificando cada ponto de referência anotada;  o pico do Cabugi, o principal, quinze minutos após a decolagem ele se apresenta em cima da rota. Uma bela montanha com seus quase 600 metros de altura; na formação da crosta terrestre, resultado de uma erupção frustrada, não chegou a explodir, daí a sua forma e rocha calcinada, que ocorre na sua “chaminé”.  Um pico de uma imponência digna de uma boa fotografia.
  Depois de uma hora e trinta minutos de voo estava pousando em São Joaquim. Naquele momento senti-me vitorioso; tudo havia dado certo.
Fui recebido por Fabrício e D. Branca Pedroza, uma gentil senhora com gestos nobres, que me hospedou por uma noite.
No dia seguinte cedo, reabasteci o Piper e decolei em seguida, seguindo a rota ao contrário.  Depois do Cabugi fui perdendo altura e sobrevoei a Fazenda Lagoa Nova do meu avô Lamartine.  Um pátio maravilhoso na frente da Casa Grande que sugeria um pouso. A princípio relutei, mas fiz uma tentativa e conclui que dava para descer.
Com um afastamento longo consegui fazer um pouso, tipo três pontos, e estacionei o avião bem em frente da Casa Grande.  Demorei ali para cumprimentar o meu avô, tomar um café e, em seguida, decolei levando o meu tio Oswaldo como passageiro. 
 Era a liberdade que se tinha naquela época que só foi regulamentada no final dos anos 50.  Bons tempos aqueles...

Foto de Hélio Higuchi -retirada do GOOGLE

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