Culver LCA Cadet, N29398 was built in 1940 |
Naquele ano de 1944 ainda fazíamos no aeroclube, uma aviação primitiva. Voávamos livre, sem qualquer controle ou apoio (aviões “treiner” não dispunham de rádio, não se fazia planos voos); recebíamos simplesmente instruções de pilotagem, dadas de favor, por alguns oficiais da aeronáutica.
Soltavam o aluno solo e daí pra frente era uma auto-aprendizagem. Navegar naquelas condições era um problema; recorríamos aos mais antigos dos nossos, e íamos descobrindo como enfrentar todas as situações inusitadas que apareciam pela frente.Mesmo assim,não se perdia a motivação de voar,e quando vencia os nossos limites,sentiamos uma força de realização sem precedentes.
Foi assim que procurei Fabrício Pedroza, na época, o nosso presidente do clube, para receber a minha primeira aula de navegação aérea. Fui à sua residência ali na Deodoro, esquina com a Rua José Pinto, levando um mapa escolar do Rio Grande do Norte, um transferidor de 360 graus, próprio para navegação aérea, uma caderneta de notas e uma lapiseira.
Abri o mapa sobre a mesa e Fabrício me perguntou se eu sabia algo sobre os pontos cardiais, meridianos e paralelos – “Sim”, respondi. “Então fica mais fácil. Infelizmente esses mapas escolares são muito precários, mas é o que existe e vamos ter que usá-lo.”
Com ajuda de uma régua traçou uma linha reta entre o aeroporto de Parnamirim e o campo de pouso da Fazenda São Joaquim de propriedade da sua família, localizada no município de São Romão, hoje Fernando Pedroza.
E assim começou a aula:
“Essa reta significa rota que você irá fazer. Ela tem mais ou menos 200 km de distância. Comece a anotar os acidentes geográficos, estradas, vilas, fazendas que encontrar, não esquecer de marcar se é do lado esquerdo ou direito da rota. Os pontos principais (pico do Cabugi, por exemplo), medir a distância dele até Parnamirim.
Verificar a altitude da área à ser sobrevoada a fim de determinar a altura que você deve voar.
Ver o tempo de voo até o destino, consultar a velocidade do avião e checar a autonomia do avião, considerando a possibilidade de ir para um campo de pouso alternativo, se for o caso.
Determinar no mapa os pontos cardeais, para com ajuda do transferidor determinar o grau da rota a ser seguida. Lembre-se que para nós, aviadores, lidamos com dois pontos norte, o geográfico e o magnético; a bússola segue sempre o magnético, daí necessidade de se conhecer a declinação magnética do Rio Grande do Norte (nesta região usávamos menos 20 graus), fazer as correções e determinar o grau correto a seguir.”
Depois dessa explanação cheia de detalhes me adiantou:
“Vou seguir amanhã cedo para São Joaquim, usarei o avião Culver, mais rápido do que o J-3 que você vai usar, decolo antes, e estarei lá lhe esperando”.
As 06,30 da manhã dei partida no Piper J-3, segui a risca todos aqueles detalhes e fui identificando cada ponto de referência anotada; o pico do Cabugi, o principal, quinze minutos após a decolagem ele se apresenta em cima da rota. Uma bela montanha com seus quase 600 metros de altura; na formação da crosta terrestre, resultado de uma erupção frustrada, não chegou a explodir, daí a sua forma e rocha calcinada, que ocorre na sua “chaminé”. Um pico de uma imponência digna de uma boa fotografia.
Depois de uma hora e trinta minutos de voo estava pousando em São Joaquim. Naquele momento senti-me vitorioso; tudo havia dado certo.
Fui recebido por Fabrício e D. Branca Pedroza, uma gentil senhora com gestos nobres, que me hospedou por uma noite.
No dia seguinte cedo, reabasteci o Piper e decolei em seguida, seguindo a rota ao contrário. Depois do Cabugi fui perdendo altura e sobrevoei a Fazenda Lagoa Nova do meu avô Lamartine. Um pátio maravilhoso na frente da Casa Grande que sugeria um pouso. A princípio relutei, mas fiz uma tentativa e conclui que dava para descer.
Com um afastamento longo consegui fazer um pouso, tipo três pontos, e estacionei o avião bem em frente da Casa Grande. Demorei ali para cumprimentar o meu avô, tomar um café e, em seguida, decolei levando o meu tio Oswaldo como passageiro.
Era a liberdade que se tinha naquela época que só foi regulamentada no final dos anos 50. Bons tempos aqueles...
Foto de Hélio Higuchi -retirada do GOOGLE
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