Ilustração de Dorian Gray |
O POVO -
O Velho Zuza e D. Nanú, formavam um casal típico daquele sertão do Seridó. Cultivavam um estilo de vida herdado dos seus ancestrais e que eles preservavam com muito cuidado. Dirigiam aquele mundo como os seus antecessores já haviam dirigido, com pouquíssimas inovações e procurando não violentar a Natureza.
O tratamento dispensado aos seus auxiliares situava-se entre o patrão e o pai, tornando o ambiente na Fazenda, totalmente descontraído. Havia uma solidariedade humana presente em todos os atos e o modo como eles viviam e trajavam quase não os diferenciavam dos seus serviçais.
Era esse toque de humanismo que fazia daquela Fazenda uma atração para tantos quantos ali chegaram à procura de trabalho. Ainda conheci vários deles, ou descendentes, que ali se fixaram e nunca mais saíram. Esses tipos eram bastante interessantes e, com o decorre dos tempos, foram incorporando ao patrimônio da Fazenda, permanecendo lá até o fim dos seus dias. Alguns deles chegaram a marcar época, como foi o caso de:
-Zé Gordinho - nunca soube o seu nome verdadeiro; viveu ali até a morte. Era um tipo robusto, moreno, pernas arqueadas de vaqueiro, pelo curtida do sol, falava alto como se tivesse arengando, porém tinha um coração maior do que ele próprio. Por ser solteirão e um tanto ranzinza, morava sozinho num quarto pegado ao “Vapor.” O seu aposento era de uma pobreza franciscana.
A mobília limitava-se a sua própria rede de dormir, uma mala de couro cru, um caixão de gás para sentar, um cabide com haste de pereiro pendurado num caibro, onde ele acomodava as roupas usadas e o encouramento; num canto uma lamparina de flandre e uma caixa de fósforos ao lado.
Cuidava das vacas de leite, do curral, da cacimba do gado no rio, das ovelhas e ainda “campeava”. Sabia o que devia fazer e o seu setor funcionava quase autônomo. Nunca saia da Fazenda, até que um dia adoeceu gravemente e foi levado a Caicó, para uma consulta médica. Logo a seguir faleceu de um ataque cardíaco.
Cuidava das vacas de leite, do curral, da cacimba do gado no rio, das ovelhas e ainda “campeava”. Sabia o que devia fazer e o seu setor funcionava quase autônomo. Nunca saia da Fazenda, até que um dia adoeceu gravemente e foi levado a Caicó, para uma consulta médica. Logo a seguir faleceu de um ataque cardíaco.
Zé Libânio - um tipo alto, olhos extremamente azuis e voz grave. Era tropeiro e viveu toda a sua vida ali, onde deixou a família e o filho João como sucessor, quando faleceu. De absoluta confiança dos proprietários; era considerado da família. Conhecia bem do seu ofício e cuidava da tropa com todo carinho. Já havia substituído outros tropeiros: Luiz de Lolô já falecido e Manoel de Dora, cuja idade não permitia mais trabalhar.
- Negra Rosária – filha de escravos. Quando ainda nova, foi lavadeira da Casa Grande. Viveu ali até o fim dos seus dias. Deixou um filho chamado Manuel, mais conhecido por Pacheco, também nascido ali. Esse homem tornou-se o foguista do “Vapor” e o motorista da Fazenda, quando foi comprado um automóvel. Além dessas habilidades, era também músico, tocando rabeca nas festas da redondeza. Como a mãe, morou na Fazenda até o fim, deixando lá seus descendentes.
- Jeremias Herculano - um tipo claro, miúdo, olhos azuis e muito conversador. Falava devagar, razão por que se tornava enfadonho dialogar com ele. Era parente da velha Nanu. Dedicava-se à agricultura e cuidava com muito carinho do “partido de cana”, assim como também das moagens. Hoje, quase centenário, reside nas terras dos parentes, próximo a Fazenda Timbaúba, onde fui encontrá-lo recentemente, ainda totalmente lúcido e contador de histórias.
- “Seu” David e “Seu” João – brejeiros da área de Lagoa do Remígio/Pb ambos chegaram Fazenda Timbaúba na década de 20. Eram parentes entre si. Trabalhavam na agricultura, especialistas em lavoura de cereais e mandioca. Faziam farinhadas e ajudavam na moagem. Ambos tinham uma família numerosa e só casavam ente si. Eram grandes artesãos em trabalho de palha, couro e madeira, e as mulheres eram fiandeiras. Os descendentes ainda habitam aquelas terras.
- Murixaba – um autêntico “negro de recados”. Não servia para atividades agrícolas ou pecuárias, porém das demais tarefas da Fazenda se desincumbia bem: desde pilar milho, rachar lenha e até viajar muitas léguas a pé para comprar medicamentos. Tinha um acentuado espírito de humor.
Por ter semelhança física com Pacheco, o filho da negra Rosária, certa vez lhe perguntaram se eram parentes. Ele prontamente afirmou ser primo. Como Pacheco não aceitou o parentesco, ele imediatamente adiantou: "Ora, Seu Pery, todo negro é primo um do outro, não sabia ?..".
Por ter semelhança física com Pacheco, o filho da negra Rosária, certa vez lhe perguntaram se eram parentes. Ele prontamente afirmou ser primo. Como Pacheco não aceitou o parentesco, ele imediatamente adiantou: "Ora, Seu Pery, todo negro é primo um do outro, não sabia ?..".
- José de Silvino – o último remanescente da equipe da Casa Grande. Ainda mora lá, no quarto que habitou Zé Gordinho, usando a “Casa de Farinha” como a sua cozinha. É solteirão e resume as suas atividades a plantar vazantes no rio e alimentar umas ovelhas de sua propriedade. É uma espécie de guardião daquele monumento histórico e daquele estilo de vida já ultrapassado.
- Nelson – o vaqueiro – irmão de Zé de Silvino; foi um dos últimos auxiliares da velha Nanu, a quem dedicava muita estima. Hoje vaqueiro nas terras da Fazenda Timbaúba, trabalhando para herdeiros da Fazenda, onde também desempenha as funções de administrador. Homem merecedor de grande confiança.
Havia muitos outros na Fazenda, porém esses eram os mais típicos, todos tinham suas particularidades, suas personalidades e seu espaço dentro do contexto. Compunham um conjunto harmônico e equilibrado sem notas dissonantes. Formavam o que se podia chamar de o “Encanto da Timbaúba”.
Deixo aqui registrado uma homenagem a esses sertanejos 'heróis' da minha infância.
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