segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

CHICO DE JOANA

CHICO DE JOANA
 Já fazia algum tempo que não tinha contato com
Chico de Joana um homem simples, autodidata,
nascido e criado às margens do Riacho da Timbaúba,
afluente do rio Barra Nova, no município de Ouro
Branco, fazenda dos Cunha de Jardim do Seridó.
Em dias passados aproveitei uma tarde ociosa e fui a casa dele, ali no bairro das Quintas, fazer uma visita.
           Chico de Joana é um escultor cujas obras são talhadas em madeira de Imburana, árvore típica do nordeste brasileiro, maleável, muito usada no artesanato. Seu trabalho é extraordinariamente bem acabado, mostrando o seu poder ilimitado de criatividade. Retrata com muita fidelidade desde os santos católicos às figuras do cotidiano que o cercam. 
            É um artesão polivalente, seu potencial vai mais além, como se a sua missão na terra fosse transformar qualquer coisa em arte.
Estava lá exposta uma poltrona toda esculpida num tronco de mangueira, extraída de uma velha árvore que existia em frente a sua casa.
Segundo ele, será “a poltrona do papai”.
  Junto à parede do seu “estúdio” havia um tronco de Imburana pesando talvez uns 100 quilos, que ele com a sua percepção de artista me chamou à atenção: 
 Num faz lembrar o busto de uma mulher ?
E realmente, aquele pedaço de caule seco e retorcido esteticamente era uma imagem digna de contemplação.
   Foi aí que Chico me adiantou:
Seu Pery, quando eu vejo um pedaço de madeira, um tronco ou uma raiz vem logo na minha mente em que vou transformá-lo; alguma figura ou peça para casa e sempre dá certo.
A minha visita a Chico era mais para fortalecer o nosso relacionamento, relembrar momentos da sua infância vividos na região do Seridó, onde eu também vivi uma parte da minha vida.
Senti que aqueles momentos de prosa com um homem tão modesto, mas dotado de extrema sensibilidade artística, voltado para a sua realidade, foi para mim instantes de reflexão, cultura e prazer.
Há muito tempo não me sentia tão bem e ainda percebi que, sem querer ser pretensioso, pude ajudar o amigo Chico, que naquela tarde teve com quem compartilhar sobre um drama familiar que vive com um filho excepcional.
Nesse mundo conturbado que vivemos, ninguém tem tempo para ninguém, um pequeno gesto como esse de escutar alguém em busca de soluções para algo que está lhe perturbando, é uma atitude que faz a gente se sentir mais humano e solidário.

Por isso, com certeza, valeu muito para Chico e me deixou com uma sensação de uma paz interior por vários dias.
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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

ANO NOVO NA SERRA BRANCA

O tio Oswaldo nos havia convidado a ir romper o ano novo lá no alto da Serra Branca. Este acidente geográfico é de uma formação rochosa isolada, de forma cônica/piramidal, atingindo uns 300 metros de altura, localizada no lado sul da Fazenda Lagoa Nova, município de Riachuelo, hoje transformada numa imensa pedreira.

Para nos acompanhar nessa aventura e nos dar o apoio necessário, determinamos o auxiliar Pedro Ezequiel, morador da fazenda desde a infância, também caçador naquelas caatingas.  
No dia 30/dez., ele foi ao “pé da serra” para limpar o local onde iríamos montar o “rancho”, de preferência junto a uma árvore frondosa, e em um ponto o mais alto possível; abriu uma clareira na mata, improvisou um meio-fogão, ou seja, uma trempe com blocos de pedra facetados onde se podia fazer um café ou assar uma carne, juntou uma pilha de lenha seca e marcou os locais onde armar as redes.
No dia 31, antes que o sol esquentasse, tomamos um café reforçado e iniciamos a pé o percurso entre a sede da fazenda e o ponto de “arrancho”.
Foi uma caminhada agradável por estrada de terra e pequenas trilhas e duas horas depois, lá pelas 10 horas, já nos encontrávamos na clareira.

  O nosso zeloso auxiliar, um nativo, acostumado andar pela aquela mata desde menino, providenciou um burro/jumento “encangalhado” e um par de caçoar para conduzir os nossos pertences: utensílios de cozinha, alimentos, redes de dormir, espingardas, os foguetões e até uma caixa de pronto socorro com soro antiofídico(exigência de tio Oswaldo).

Antes que o almoço fosse servido, já havíamos iniciado a identificação da melhor trilha para se chegar lá no alto da serra.
Lá pelas 22 horas iniciamos a subida lentamente seguindo em fila à moda dos índios,levando uma  iluminação conseguida com galhos de facheiro incendiados e o nosso “arrieiro” como guia.

 Próximo à meia noite já tínhamos alcançado o local previsto e por ser uma noite sem luar, a nossa visão para todos os lados era uma escuridão total, o que se via lá embaixo,apenas luzes dos pequenos lugarejos e de algumas fazendas que haviam feito fogueiras na frente das casas.
 A brisa havia parado, o silêncio era absoluto, até nós falávamos baixo como se em respeito à natureza. Só as corujas e os caborés, pássaros de hábitos noturnos, por se sentirem incomodados com a nossa presença, vez por outra emitiam os seus piados agourentos típicos dessas aves abundantes na serra.

  Meu pai muito atento para não perder a hora, segurava uma lanterna à pilha, focalizando o mostrador do relógio de bolso que sempre conduzia, enquanto o tio Oswaldo e o companheiro já se preparavam para o momento de acender os pavios dos fogos que iam explodir anunciando a chegada do novo ano;
De minha parte, estava ali sentado numa pedra assustado com toda aquela escuridão, mas ao mesmo tempo, uma sensação de bem estar me envolvia, do alto daquela serra podia ver mais de perto o céu ‘coalhado’ de estrelas e lá embaixo pequenos pontos de luz tremulavam na minha visão.

 Meia noite e um segundo foi acionado o primeiro foguetão, em seguida, uma série deles como havíamos previsto. Podíamos ouvir que algumas fazendas faziam o mesmo, foi como se o mundo todo tivesse acordado.

 Quando os fogos terminaram, o tio Oswaldo e o meu pai numa atitude inesperada, usando toda força dos pulmões e a resistência das cordas vocais, manifestaram através de gritos com muito entusiasmo aquele momento, saudando a chegada de mais um  Ano.  Foi o ponto culminante da nossa aventura.

A descida para o acampamento, no escuro total, bastante lenta, com muito cuidado nas passagens mais difíceis, cada um segurava o outro até chegar à base; o fogo que havíamos deixado aceso nas trempes ainda estava lá, aumentamos as chamas com lenha seca e o nosso auxiliar nos preparou um aromático café para nos confortar e aquecer.
 Mesmo sendo dezembro a temperatura lá no alto, ao nível em que nos encontrávamos, era  fria.
Uma aventura simples que fez revigorar as nossas forças, ânimo e esperança para um futuro que se iniciava naquele primeiro dia de janeiro, que nem lembro mais de que ano.   

Foto obtida no GOOGLE