terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

LEMBRANDO O SERIDÓ ...

SÃO JOÃO DO SABUGI

Outro dia, encontrei Zé Geraldo no caixa do supermercado, quando me viu deixou Alicinha na fila e veio estar comigo.
Um 'papo' agradável sobre a vida em São João do Sabugi dos anos 30, “do nosso tempo”, dizia ele.
Voltou ao caixa, e eu segui empurrando o carrinho das compras; enquanto caminhava por entre as “ruas” do supermercado, o pensamento evadiu-se e voltou-se para aquele distante período da vida.

Éramos meio criança e meio adolescente, vivendo naquele universo tranquilo, que apesar da aridez da região, tudo era festa; o convívio com aquele povo bom, forte, alegre e hospitaleiro.
São João do Sabugi, nos deu tantas boas recordações.

Para mim, que sou dos antigos da região, Zé Geraldo, é a imagem daquela localidade.
O meu relacionamento com ele vem desde a infância, quando eu morava em Serra Negra e não perdia as grandes festas daquela localidade.
Ele, bem novo ainda, já participava da banda de música dirigida pelo seu irmão mais velho.

Sendo eu, filho de fazendeiro em Serra Negra, cujas festas eram mais tradicionais,voltadas para os católicos fervorosos e adultos, a alternativa era ir para São João, onde as festas eram bem mais divertidas para os garotos da minha idade.
Lá, podia estar na companhia dos meus avós, Zuza Gorgônio e Dona Nanú, dos meus tios Gorgônio Arthur e tio Basílio com seu pelotão de filhos.

Chegando em São João,ficava hospedado no casarão (Vila Nanú) bem na praça principal, de frente ao local onde se realizavam os festejos.

As “Noites de São João”, ajudadas pela época do início da colheita do milho verde,eram comemoradas com boa música, fogos de artifícios e tudo da natureza era favorável; o milho produzido nas fazendas fazia a alegria do povo,assim como todos os tipos de comidas típicas, que iam desde a canjica, a imbuzada, até ao doce seco, grande guloseima que todos nós apreciávamos.

As quadrilhas bem animadas, eram dançadas em plena praça pública, com grande participação dos munícipes.
Os artesãos apresentavam os seus produtos,a família dos Quininos eram os mais admirados, pelas miniaturas de animais domésticos feitos com um canivete, em pedaços da madeira imburana.

O grupo musical da família de Zé Geraldo composto por ele próprio e seus irmãos Zé da Penha, Zé Honório, e um senhor moreno,acho que chamava-se Atanázio(?), Luiz Massilon com o seu “sax”, e outros.

Eles eram os responsáveis pelo sucesso das festas.

São João do Sabugi,era assim, uma pequena comunidade,noventa por cento classe média, onde todos se conheciam e se respeitavam; poucas pessoas se sobressaíam na população. Dona Nanú e o velho Zuza, meus avós, que moravam na Fazenda Timbaúba dos Gorgônios; Noé Lucena um empresário do algodão que enriqueceu e mudou-se para Natal.
Gente formada, na época, só existia Dr. João de Brito, advogado que também morava em Natal e finalmente o meu tio Gorgônio Arthur, formado em odontologia, era o dentista daquela comunidade e morador do casarão Vila Nanú.
Havia um certo personagem, solteirão,que durante os dias festivos, desfilava pelas ruas rigorosamente bem trajado.

Usava um relógio no bolso do colete, uma corrente de ouro aparente, distribuindo galanteios para as moças casadoiras da cidade; se não me engano ele começava a palrear dizendo:
“Cobra verde não me morda!...(*) e seguia por aí.

IGREJA MATRIZ DE SÃO JOÃO BATISTA E PRAÇA FREI DAMIÃO

Havia uma querela entre Serra Negra e São João por conta da Sede Municipal.
Com a Revolução de 30 o governo central fazia de tudo para desclassificar Serra Negra, a terra de Juvenal Lamartine, o governador deposto, e banido do país.


Uma das ações, foi transferir a Sede Municipal de Serra Negra para São João, e nomeando um tal de Zé Maria, que não perdia a oportunidade de nos 'alfinetar'.


Chegaram a levar até a imagem de Nossa Senhora do Ó, a padroeira de Serra Negra, como se a santa participasse de política partidária.
Na virada da situação, a sede municipal retornou ao seu lugar certo.

Apesar deste mal estar entre as duas localidades, havia um respeito mútuo e as festas sabugienses nunca deixaram de ser prestigiadas pelo povo de Serra Negra.
Bons tempos àqueles em que se dava mais importância à cultura seridoense.

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(*)- Posteriormente, José Geraldo me informou o nome do “poeta”, era“Joaquim Batista de Lucena”, e a quadra completa:

“Cobra verde não me morda / Aqui não tem curador / Nos braços das moreninhas / Eu morro e não sinto a dor.”


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Todas as imagens foram obtidas no GOOGLE

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Lembrando o Seridó...

“A RETIRADA”

Os meus avós Zuza Gorgônio da Nóbrega e Ana Floripes de Medeiros Barros, eram possuidores de duas grandes propriedades. FazendaTimbaúba, onde residiam, na ribeira do rio do Espírito Santo ( era assim que minha avó chamava o rio Quipauá ) no município de Ouro
Branco e a Fazenda Jataí no riacho do Salgado, Município de São João do Sabugi.
Por questões climáticas, a Fazenda Jataí, era sempre mais beneficiada
com chuvas do que a Fazenda Timbaúba.
Por conta desse fenômeno, no mês
de setembro de cada ano, os “velhos” despachavam uma “retirada” de garrotes para o Jataí, a fim de aproveitar o restante da pastagem ainda abundante nos cercados.
A viagem levava dois dias de caminhada,de sol, calor e poeira.


Naquela fazenda os garrotes iam se desenvolver no inverno seguinte, eles retornavam “novilhotes”, alguns já no ponto de abate, preferidos pelos magarefes por conta da carne macia que alcançava melhor preço no mercado.
Essa manobra era repetida anualmente e o encarregado de acompanhar a manada era o meu primo Zola, levando com ele o vaqueiro da fazenda, Zé Chico e o arrieiro José Libânio.

Certa vez,tive a oportunidade de participar de uma dessas “retiradas”, que teve o seguinte desenrolar:
– Reuniu-se a “garroteira” no curral dos fundos da Fazenda Timbaúba, num local chamado Logradouro.Prepararam-se os burros de campo, milhados e os arreios revisados.
O arrieiro José Libânio arrumou o burro de carga, com os “caçuás”onde levava os alforges com paçoca, queijo de coalho, rapadura para alimento dos tangerinos e uma “borracha”(*) abastecida com água potável.

A partida deu-se ao amanhecer do primeiro dia: a manada saiu pelos fundos da propriedade no rumo do poente, passando-se ao largo da Fazenda Pedreira, deixando-se às esquerdas a localidade de Palma.
Atravessava-se os Campos dos Cordeiros, uma região plana que em outros tempos serviu de habitat para manadas de emas.
Na “retirada” era mantido o ritmo imposto pela própria manada, para evitar que algum daqueles garrotes não agüentasse a caminhada. No Campo dos Cordeiros, o sol já a pino, fez-se uma parada para o rebanho beber nos poços do riacho; na oportunidade paramos à sombra dos juazeiros para dar um descanso a todos e servir o almoço.
Lá pelas duas e meia da tarde, quando o sol já descambava, a marcha foi retomada para se chegar a Fazenda Quixeré, do nosso primo Zé Melão,que já nos esperava com uma ceia à base de coalhada, jerimum com leite, batata doce cozida, cuscuz, um aromático café feito em coador de pano e outras iguarias da terra.
A garrotada, nessa altura, já estava presa nos currais da fazenda onde o primo Zé Melão havia providenciado como ração,palha de milho para a “maromba” agüentar a marcha do dia seguinte.
A chegada foi pelas 5 da tarde, a tempo de tomar um bom banho no poço do riacho para refazermos as nossas energias. Pernoite em redes no alpendre da fazenda, uma noite enluarada bastante tranqüila.


No dia seguinte, a saída deu-se depois de um café reforçado, o normal naquela fazenda, com os caprichos de D. Guilhermina a esposa de Zé Melão.
A etapa seguinte era mais curta; atingimos a Fazenda Pedrecal, na periferia de São João do Sabugí, da família do fazendeiro Antônio Basílio cuja esposa era tia de Zola.
“Arrodeamos” a manada na pátio da fazenda enquanto almoçávamos, e em seguida prosseguimos no rumo da Fazenda Jataí, cuja chegada aconteceu por volta das 17 horas.
Nos dirigimos para a casa do tio Basílio Gorgônio da Nóbrega,que já estava ansioso a nossa espera ; o seu vaqueiro foi logo tomando conta dos garrotes encaminhando para um cercado onde havia abundância de pastagem.


Na Fazenda Jataí, permanecemos dois dias, visitando os parentes que habitavam o riacho do Salgado, onde fomos recebidos com àquela gentileza própria do seridoense.
O retorno deu-se em seguida, com a saída ao “quebrar da barra” para chegarmos na Fazenda Timbaúba na “boca da noite”.

Neste percurso, o arrieiro José Libânio fez uma parada no Riacho de Fora, um sítio dos meus avós, onde encontrou as pinheiras bastante carregadas, dando para encher os caçuais e nos fartar com pinhas deliciosas e doces.

Uma viagem de rotina, na atividade pastoreio,muito comum no Seridó.

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Cabaças que tem o formato da "Borracha"

* "Borracha"= é uma vasilha para transportar água de beber,feita de couro de ovelha com o carnal para fora,que tem o formato de uma 'cabaça' alongada( frutos de plantas da família das cucurbitácias).


Todas as fotos retiradas do GOOGLE