quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

TIMBAÚBA - VI


Ilustração de Dorian Gray


VI – OS BOIS DO PIAUÍ
           
 Os Bois do Piauí eram uma mercadoria de grande interesse comercial, desde o Século VIII.  Os boiadeiros do Seridó adquiriam as boiadas dos criadores do centro-sul daquele Estado, nas regiões de Oeiras, Picos, Jerumenha e Floriano, já à beira do Parnaíba.

Tangiam “a pé”, através do sertão do Ceará, até o Seridó, onde eram refeitos nas pastagens de capim Panasco, para serem vendidos nas feiras de gado de Pocinhos ou Campina Grande, na Paraíba.
            Essa atividade exigia homens decididos, afeitos à aventura e de grande resistência física.  Esse tipo de viagem era feito a cavalos e só uma vez por ano.  O tempo de duração poderia chegar a três meses.
Os boiadeiros saíam do Seridó, através de Pombal, no sertão da Paraíba seguindo a rota do gado: Souza, São João do Rio do Peixe, Cariris Novos, Icó, Valência, Tauá, Oeiras, Picos, São João do Piaui, Jerumenha e Floriano.

Na ida, procuravam ganhar tempo, chegando a fazer dez léguas por dia, o que significavam duas semanas de viagem. Após a chegada ao local escolhido, arrendavam um cercado com uma casa, onde ficavam arranchados e iam juntar o gado comprado.
  As boiadas poderiam chegar a mil cabeças. Enquanto isso aguardava o momento próprio de partir.

Segundo Artéfio Bezerra da Cunha, de Serra Negra:
“Era um viagem penosa e arriscada, porém devia compensar. Essa operação era somente uma vez por ano, porque, depois do inverno, os gados não suportariam o percurso da viagem, pela falta de pastagem e mais do que isso, a água que, depois do inverno, escasseava consideravelmente. E para regularizar a operação, os especuladores  dos bois do Piauí, só partiam com a manifestação do inverno, nos nossos sertões. Assim, sempre a partida de lá era em fevereiro...;” mais adiante continua:  “... quando a barra vem mostrando os seus primeiros raios, os condutores alertam os tangerinos e seguem a juntar o gado(...) dividido os lotes até 150 bois(...) que seguem à estrada, até a dormida seguinte.  E com essa organização diária, vencem-se as distâncias.”  
           
 Zuza Grgônio foi um desses boiadeiros, cuja atividade foi herdada do pai, o sertanejo Gorgônio Paes de Bulhões e também do avô, o lendário Cosme Pereira da Costa.
            Era muito comum haver sociedade entre eles, especialmente quando se tratava de parentes. Uma maneira de baixar os custos da viagem. De uma dessas sociedades, foram colhidas as informações que se seguem: a sociedade foi constituída entre Zuza Gorgônio, seu irmão Capitão Janúncio da Fazenda Pedreiras e o genro deste de nome Abdon Odilon da Nóbrega.

Foram trazidas 858 cabeças, com um custo médio de compra de 21$700 réis, 3 burros mulos, comprado em média de 87$000 réis, 5 cavalos, comprado em média de 44$350 réis.
 O adiantamento para viagem foi de 1.130$000 (um conto e cento e trinta mil réis).
Foram gastos com alimentos e impostos (Piauí e Ceará), aluguéis e arrendamentos de currais e cercados, 3.056$878 (três contos cinqüenta e seis mil oitocentos e setenta e oito réis); com prestação de serviços a cavaleiros e tangerinos, 891$460 réis.

Nessa viagem, a sociedade investiu cerca de 24.324$830, ou seja, vinte e quatro contos, trezentos e vinte quatro mil, oitocentos e trinta réis, em moedas do império, incluindo uma rede de dormir.


Empregaram 28 tangerinos, a $300 réis por dia “boiado”, 4 cavaleiros, a 1$000 réis  de diária, todos do Piauí, alem, do pessoal do Seridó, composto de 3 cavaleiros, por parte de Zuza Gorgônio e 6 da parte do Capitão Janúncio.
 A viagem de volta, tangendo a boiada, durou cerca de 43 dias de caminhada. 
Esse mesmo gado, já no caminho de volta, vinha sendo vendido à base de 32$000 a 34$000 por cabeça.


 As anotações desse balanço foram feitas no dia 18 de maio de 1888, quando realizavam o apurado da viagem.

   Zuza Gorgônio, dificilmente perdia uma viagem dessas ao Piauí, que tinha o sabor de aventura e dava bons resultados financeiros. Só deixou de fazê-las quando o peso dos anos não mais permitia a sua presença. Seu filho mais velho, de nome Basílio, começou a substituí-lo.

O boiadeiro Artéfio Bezerra da Cunha, de Serra Negra, cujas viagens ao Piauí deram-se até 1934, escreveu um belo livro sobre essa atividade comercial, com o título MEMÓRIAS DE UM SERTANEJO Editora Pongetti- Rio de Janeiro- 1971, cuja leitura é recomendada para os interessados nesse assunto.    

TIMBAÚBA - V



V - A CRIAÇÃO


ILUSTRAÇÃO DORIAN GRAY


No ano de 1862, a Casa Grande havia sido construída. A Fazenda desenvolvia grande atividade pastoril.  Em todo o Rio Grande do Norte havia um febril desenvolvimento na criação de gado. 
Naquele ano, “... subiu 2.013, o número de fazendas de criação, produzindo anualmente, em média, 60.000 cabeças (...) e começando a sair para outros estados os afamados queijos do Seridó.(1)
O proprietário Gorgônio Paes de Bulhões realizava freqüentes viagens (...) em companhia do seu pai, comprando gado no Piauí. (2) Essa atividade era muito lucrativa, razão porque foi mantida, por muito tempo, ainda após a sua morte, (1º. maio de 1865) pelo seu filho sucessor, Zuza Gorgônio da Nóbrega.
Zuza acreditava naquele ditado popular, muito conhecido no Seridó:
“Bicho que mija pra trás é que bota  homem pra diante”.
  Por isso mesmo procurou melhorar o seu rebanho, introduzindo uma raça de grande produção leiteira e bom peso, o Suíço Pardo, para substituir o gado “Pé-duro”, de baixo rendimento.
  A Fazenda tornou-se conhecida pela qualidade do seu rebanho e dos queijos de manteiga, os quais eram vendidos nas feiras de Campina Grande e Recife. 
 O gado Suíço fez muito sucesso e ainda hoje é encontrado no Seridó, remanescente daquele rebanho.
Quanto à “miunça”, não se criava cabras, entretanto, o rebanho de ovelhas era expressivo. A criação destinava-se ao consumo interno da Fazenda, onde se abatia um carneiro dia sim dia não.
Os porcos eram criados em função da produção de leite. Havendo mais leite, colocava-se mais porcos na engorda.
Como ração, era usado o soro da coalhada e do queijo, acompanhado de raízes de batata doce e milho em grão. 

As aves eram criadas no terreiro, sem nenhuma atenção especial.  Apenas lhes jogavam um punhado de milho no chão, diariamente, pela manhã. As galinhas e os guinés eram os preferidos da velha Nanú, que sabia muito bem transformar um frango num “capão”, para os dias de festa.

A partir de 1942, quando o velho Zuza faleceu, a Fazenda entrou em declínio, motivado pelos inventários e conseqüente retalhamento: mesmo assim, ainda foi à criação que deu lucro, por muito tempo, aos herdeiros do velho Zuza.


 - A filha mais velha do casal, chamada Theodora Arcanja, era conhecida na intimidade por Nenem;típica mulher sertaneja por  sua força e coragem;nunca casou e, viveu toda a sua vida na Fazenda Timbúba onde administrava os serviços da “Cozinha do Queijo”. 
 Os produtos fabricados ali ela dominava todo o processo de fabricação, usava a marca Z e eram os mais procurados na feira de Caicó.
  No decorrer do ano, dependendo do inverno, ela destemida que era, se deslocava acompanhando a vacaria para lugares diferentes na fazenda, a fim de, melhor aproveitar as pastagens e conseqüentemente reduzir os custos de produção.
  No final do inverno, ela atravessava o rio e ia para o Sítio Goiti, nos fundos das terras da Timbaúba. Lá ficava instalada numa bela casa em cima de uma elevação com uma vista deslumbrante.
 E a vacaria aproveitava bem as pastagens com uma boa bebida no açude, dava a custo zero na produção do leite e aumentava o lucro na venda dos queijos.


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

TIMBAÚBA - IV


Ilustração de Dorian Gray



IV- A CASA GRANDE
            Assentada no alto – para melhor aproveitar a ventilação e oferecer posição mais vantajosa, quando dos ataques dos cangaceiros – era uma construção sóbria, alpendrada, de duas águas e levantada com madeira, pedra, tijolo e telhas, colhidas na própria fazenda.  Nenhum enfeite transparecia da sua arquitetura, e o seu conforto maior parecia residir no frio das lajes do alpendre, ou na carícia da rede armada nos quartos do sótão. De ferragens grosseiras – chaves que, algumas vezes, mediam um palmo.  Eram muitos, os armadores de rede em madeira de lei.  As janelas de duas bandas quase sempre se fechavam com traves no interior para maior segurança. (1)

            A Casa Grande da Fazenda Timbaúba é um desses belos monumentos do século passado, tão bem fixado por Juvenal Lamartine e que ainda resiste ao tempo e à civilização.  Uma construção de 1856, naquele estilo da época, a que se pode chamar de “Colonial rural do Seridó”.

A mim me parece que esses estilos, praticamente limitado às fronteiras do sertão potiguar, ainda não foi estudado. Já ouvi uma versão que admite a origem em Portugal , transplantado  para Macau (China), de onde sofreu  influências locais, vindo depois para o Seridó. É uma hipótese que  merece ser pesquisada. 
 Por enquanto, o que existe de  certo, são as raízes  desse estilo no barroco  português. O que eu ainda não consegui entender é que tendo sido a colonização do Seridó, feita por portugueses do Norte (Minho e Douro) e algumas das Ilhas, aquele estilo só tem  semelhança com as construções encontradas no Sul, na região do Algarve.  

            De construção muito sólida, paredes largas tem somente duas águas: a cumeeira muito alta, atravessada no meio, com o telhado descendo direto até as biqueiras na frente e atrás. É voltada para o nascente, um hábito seridoense.
  São sete quartos em baixo, dois no sótão, duas salas na frente, um salão, sala de oratório, copa, cozinha, dispensa, latrina, cinco quarto para depósito, alpendre na frente, área murada nos fundos e uma “Casa de Farinha”.

As duas salas da frente, interligadas entre si, têm saídas independentes para o alpendre; os aposentos, por questões de segurança, estão colocados no centro da casa, sem janelas para fora.  O salão, embora localizado bem no interior da casa, tem ligação direta, por um corredor lateral, com a sala da frente.

  A cozinha, comunica-se  com a sala de jantar, através da copa e a sala do oratório.  A área murada é ligada diretamente com a cozinha e com a saleta da escada por portas diferentes.  Dentro dessa área está localizado um quarto de depósito, onde é encontrado o pilão e um pouco mais adiante a latrina que se limita com a parede do muro, com um fosso ultrapassando para o lado de fora. 

Todo o muro que circunda esta área tem uma braça e meia de altura, com a parte cima abaulada, para dificultar qualquer tentativa de escalar. 
Na copa, há um acesso no lado do nascente, por onde entra o abastecimento de água e lenha.  Através dele chega-se ao forno de assar bolo que está do lado de fora, como também o chiqueiro das galinhas e dos porcos.

Os dois quartos do sótão eram pouco usados e de preferência pelas moças da casa.   As instalações sanitárias, que já foram modificadas, eram as mais rústicas que se podia imaginar.  Constava de um fosso coberto por um tablado de madeira de lei, com alguns buracos e tampa de madeira que funcionavam como vasos sanitários, deixando os dejetos cair diretamente no fundo do fosso. 
 O recinto da latrina, as mulheres utilizavam como banheiro, o famoso “banho de cuia”. 

A “Casa de Farinha”, um anexo lá nos fundos, ainda está em perfeito estado de conservação e pronta para uso.
 A velha Nanú a mantinha sempre fechada, só abrindo no período da “desmancha”; fora desse período era um lugar tranqüilo e silencioso, onde as galinhas e os guinés faziam seus ninhos para reprodução. 

            Funcionalmente falando, a “Casa Grande” separa muito bem os homens das mulheres e chega-se à conclusão de que foi planejada visando à segurança delas e das crianças.
  Aos homens, só o salão dois quartos internos ligados a ele, a sala da frente e o alpendre.  Os quartos externos, sendo depósito de selas e arreios, as vezes serviam de dormitório. O resto da casa era domínio das mulheres.
            O madeirame ainda está em perfeito estado de conservação, é todo em madeira de lei (miolo de aroeira). As portas de cedro, com grandes dobradiças e fechaduras de ferro batido, com chaves enorme  que ainda funcionam.
            Do mobiliário original, quase nada mais existe; foi levado pelos herdeiros, como lembrança da família.  Era uma mobília pobre e simples, como o povo que ali habitava.
Bancos coletivos de pau d`arco,  com quatro pés; tamboretes, armação de madeira de lei e o tampo de sola; a imensa mesa  de cumaru, onde eram servidas as refeições; vários baús, forrados de couro enfeitados com tachas de cabeças arredondadas, formando desenhos; alguns armários, para guardar louças, feitos em cumaru.
Não havia guarda roupas; usavam simplesmente em seu lugar os baús. A louça, utensílio, selas, nada mais existe.

  Porém a “Casa Grande” está lá, majestosa, acolhedora e solitária.  No frontispício está gravadas duas datas acompanhadas das iniciais do fundador da  fazenda: Gorgônio Paes de Bulhões.

- GPS 1856 (ano da construção – primeira fase)
- ANO 1862 (conclusão).
Foi para este tipo de casa que o poeta popular fez a seguinte sextilhas:

“Em cima d´uma lombada
Com a frente pro nascente
Alpendre, sótão, escada,
Cancela mão e batente
Eram as casas de fazendas
Com açude bem na frente. ”(2)

(1)  LAMARTINE/Juvenal – “(Velhos costumes do meu Sertão).
(2)  RIACHÃO/Vicente - “O sertão de antigamente” –
                                       Literatura de Cordel – Ed. Independente –
                                       Natal/RN




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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

TIMBAÚBA III

III - AS BENFEITORIAS


Ilustração de Dorian Gray


 Sendo a propriedade, um “bem de família”, já vinha sendo beneficiada desde o início do Século XIX, pelo seu primeiro proprietário, Gorgônio Paes de Bulhões. Na época, o principal objetivo da Fazenda era a criação; havia mais preocupação em ter bons currais do que residências ou armazéns. Por essa razão é que no ano de 1836, antes de ser iniciada a construção da Casa Grande, só havia ali uma construção de taipa, composta de três quartos pegados, parede e meia, com um alpendre na frente, que serviam precariamente de residência. 
Essa construção foi demolida aí por volta de 1950 e em lugar levantados outros quartos iguais, porém em alvenaria. 
Da mesma época da Casa Grande, é o antigo curral de pau-a-pique, cujas estacas de miolo de aroeira resistiram às intempéries, chegando até aos nossos dias. 
Apesar das sucessivas reformas, ainda restam algumas delas, em condição de uso, compondo a cerca do atual curral, situado no antigo local.
 O início da atividade agrícola foi por volta de 1860; intensificou-se na entrada do século, quando os preços dos produtos agrícolas, especialmente o algodão, dispararam no mercado. Só aí surgiu a necessidade das primeiras cercas em volta dos roçados, pois a criação era solta nos campos abertos. Inicialmente eram de madeira; surgiram depois as cercas de arame farpado ou uma combinação de ambas. 

Dos prédios, existe as casas dos moradores, em alvenaria, algumas caiadas, outras em tijolo aparente.  Os armazéns, situados próximo à Casa Grande, é uma construção do início do século, levantados para abrigar o “Vapor”, cujas máquinas de descaroçar o algodão, ficaram ativas até o ano de 1950.
            Dos açudes, em número de dois, o mais antigo, chamado o “açude velho”, localizado próximo à Casa Grande, tem boa água de beber, porém não dava vazante.  O segundo, localizado lá nos fundos das terras, foi construído com o fim específico de ser “bebida de gado”; tem ótima água e um pequeno canavial atrás da parede.  É rico em peixes de água doce: traíra, Curimatã, Piau e outros da região.
 As benfeitorias dessa propriedade são uma mistura de estilos, onde se evidencia a evolução do sistema de viver da época, apesar dos hábitos conservadores adotados por aquela gente.


No início todas as benfeitorias se destinavam ao desenvolvimento da criação.  Foi necessário uma grande crise mundial envolvendo principalmente os Estados Unidos para se desenvolver nos aluviões do  Seridó a lavoura algodoeira, plantando a variedade  Mocó de fibra longa.
 Foi um período relativamente curto e no auge da produção, ela tornou-se tão lucrativa quanto era a criação. Daí ter surgido em muitas fazendas uma pequena indústria constituída de máquinas para descaroçar o algodão acionada por um “locomóvel” tocado a lenha que acionava tudo. A lã do algodão alcançava bons preços no mercado e aumentava os lucros dos agricultores.
O “descaroçador de algodão” da Fazenda Timbaúba, instalado num prédio para abrigar todas as máquinas, a prensa, as áreas destinada ao armazenamento do algodão em caroço e depois a lã já enfardada era um prédio bastante amplo localizado bem próximo a Casa Grande.  Toda essa estrutura com os equipamentos continuam lá, intactos e em condições de funcionamento. São peças prontas para ir para um museu.
Todo esse equipamento estrutural de descaroçar o algodão funcionava só dois meses por ano.  Setembro e Outubro. Era trabalho para entressafra do pessoal da fazenda e ocupava pelo menos dez pessoas, servidores da própria fazenda. A lã produzida ali era transportada até Jardim do Seridó, pela tropa de burros e negociada com a firma do Coronel João Medeiros cujo pagamento era feito uma parte em dinheiro vivo e outra parte em torta de caroço de algodão para ração das vacas em lactação.
A distribuição do pessoal começava pelo foguista da caldeira, esse postos era reservado a Pacheco pela sua condição física e  pelos  conhecimentos de mecânica. Nas máquinas de limpar e descaroçar o algodão era reservado para Chico Davi, ele próprio recrutava um auxiliar, os prenseiros eram dois criolos irmãos, avantajados, cujos nomes fugiram da minha mente, o tropeiro para transportar o algodão, depois de beneficiado para Jardim do Seridó era Manoel Libâneo, Murixaba para coordenar a dinâmica dentro do descaroçador e mais três auxiliares recrutados no momento do início das atividades.  Os serviços iniciavam diariamente às 07 da manhã indo até as 17 horas, com parada para as refeições que eram feitas na própria Casa Grande. Essas instalações funcionavam somente uma vez por ano, entre setembro e outubro, dependendo do andamento da safra algodoeira e raramente aparecia um pequeno produtor querendo beneficiar sua própria safra, para esses, era preferível vender o algodão em caroço.        

Texto extraído do livro "Timbaúba-Uma fazenda no sec. XIX"-Nossaeditora Ltda.-Natal-RN-1984


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

TIMABÚBA II

II – O CHÃO

Ilustração de Dorian Gray
Um dos mais importantes caminhos d’água da bacia hidrográfica da região do Seridó é o rio Barra Nova, o qual já se chamou também Quipauá, e a velha Nanú, minha avó, teimava em chamá-lo rio do Espírito Santo, antigo nome do atual município de Ouro Branco, banhado pelo aludido rio.
          A Fazenda Timbaúba está localizada na ribeira desse rio, em pleno coração do Seridó, e suas terras têm características próprias da citada região: chão duro, ondulado, pedregoso e cortado por um fertilíssimo vale. 
Na *chã dos altos (*terreno plano no alto de um morro) tem uma finíssima camada de solo agrícola, o qual, é interrompido nas quebradas pelo afloramento do subsolo constituído de uma rocha fragmentada e escura  que o sertanejo chama de “pedra mole”.

A cobertura vegetal é formada principalmente de Jurema (1), Pereiro(2), Caatingueira(3), Xique-Xique(4), Faveleira(5) e outras xerófilas. 
Nos lugares onde a ocorrência de pedras é maior, o solo torna-se próprio para a cultura do algodão Mocó pela sua riqueza em sais minerais.
   Ali também vegeta espontaneamente o capim Panasco(6), a grande forragem nativa daquele sertão, o qual muito concorreu para a implantação das fazendas de criar do Século XVIII e também para o sabor afamado da carne de sol do Seridó.

É uma forragem de grande valor nutritivo que nos anos bons de inverno chega a atingir meia braça de altura; modifica totalmente a paisagem sertaneja durante o período das chuvas, ou logo após, quando a caatinga então se transforma num lençol verde, semelhante a um trigal, que na entrada do verão vai amarelando e adquirindo a coloração dos cabelos  dos meninos seridoenses.
            Nas terras altas e onduladas, formam-se córregos, adornados por velames e pinhão, que levam suas águas entre pedras roladas e lajeiros, para os riachos e conseqüentemente ao rio, cujo vale tem um riquíssimo aluvião, onde está concentrada a atividade agrícola da Fazenda. 
            A riqueza mineral é conhecida; tem ótima argila, muito usada em cerâmica. Há ocorrência de pedra calcária, minério de ferro, berilo e outros minerais.
            O sertanejo daquela região é demais apegado à terra e se preocupa em aproveitá-la totalmente, vivendo, porém, na dependência  das chuvas.

            Foi nesse ambiente de natureza agressiva, que Gorgônio Paes de Bulhões implantou a Fazenda Timbaúba, na metade do século passado, deixando as suas marcas até os dias de hoje. 

(1) Mimosa acutispula Benth (Mimosa  nigra Hub).
(2) Aspidosperma  pirifolium Martt, da família das Rosáseas.
(3) Caesalpinia  Bracteosa Tul.
(4) Cereus Gounellei k Schum.
(5) Onidoscolos phyllacanthus Pax & Ooff (Jatropoha phillacanta Mart.).
)6)  Aristidia setifolia H.B.K. (Aristidia arenaria  Tim).   

- A maior parte das terras da Fazenda Timbaúba é constituída de um chão piçarrento, salvo os aluviões no vale do rio ou dos riachos maiores.  Por conta dessa realidade, as pessoas, para poder caminhar nos arredores, são obrigadas a estar constantemente com os pés protegidos.

 O próprio velho Zuza confeccionava “apragatas” de couro cru para os netos em férias; momentos divertidos acompanhar o avô medindo os pés de cada um e transformar artesanalmente uma “garra” de couro cru em uma rústica sandália para o nosso uso, enquanto estivéssemos por lá.
Essa veia artesanal herdada do velho Zuza apareceu no neto Zola.
Ele era bem desenvolvido nas artes de transformar o couro em arreios, cabrestos, alpercatas que dispensava contratar um especialista para essas funções.  
O nosso primo Zola só tinha um defeito: não se contava com ele nas noites de escuro. Tinha verdadeiro pavor de alma do outro mundo e contam-se alguns casos dele relacionado ao assunto.
O primo Zola, além de um bom artesão carregava um nome muito difícil de ele justificar: Shakespeare da Nóbrega Zola.
 Quando alguém o perguntava sobre o nome, respondia filosoficamente falando: “Foram uns gajos que viveram, lá pras bandas da Europa, há muito tempo atrás...” e ficava por aí.
Há pessoas que passam pelas nossas vidas e deixam um rastro só de boas lembranças pela sua ingenuidade,simplicidade e alegria,Zola foi uma dessas figuras.

Texto extraído do livro "TIMBAÚBA-Uma fazenda do século XIX " -Nossaeditora Ltda-Natal-RN-novembro de 1984.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

TIMBAÚBA - I


I – TIMBAÚBA – Uma fazenda no Século XIX.  

Ilustração de Dorian Gray
 Evidentemente que essa fazenda já não mais funciona no estilo do Século XIX; foi desativada há mais de cinco anos com a morte do último proprietário a octogenária Theodora Nóbrega.
Era uma propriedade que pertenceu ao meu avô materno, o velho Zuza  Gorgônio da Nóbrega, e fora herdada do seu pai, o tempestuoso  Gorgônio Paes de Bulhões. Este era filho do irrequieto Cosme Pereira da Costa, lendária figura do Seridó, antigo proprietário da Fazenda Umary, localizada rio abaixo.  
            Gorgônio Paes de Bulhões fundou a Fazenda Timbaúba provavelmente em 1833, ano do seu primeiro casamento; destinava-se à criação de gado e dar apoio ao seu comércio de “bois do Piauí”. Foi numa daquelas demoradas viagens aos sertões de Picos e Oeiras que ele veio a falecer, com cinqüenta anos de idade, na localidade de São Mateus, sertão do Ceará, hoje denominado Jucá, onde foi sepultado no dia 1º de maio de 1865.
            Gorgônio Paes de Bulhões sempre foi um sertanejo agitado, de temperamento alvoroçado, razão porque tinha o apelido de “Gangão Fuzo-doido” (I). O seu filho e sucessor Zuza Gorgônio manteve aquele comércio de gado mesmo após a morte do pai, até quando a atividade deixou de ser vantajosa, cedendo lugar à lavoura  de algodão implantada  nas terras férteis  do vale do rio Barra Nova.(2)


O velho Zuza e sua mulher D. Nanu desenvolvram muito a fazenda e chegaram a criar um bom patrimônio em gado e terras, legando aos seus descendentes.
Enquanto viveram, acolhiam naquele casarão senhorial todos os seus descendentes ficando a casa cheia o ano inteiro. Vivi ali, onde passava as férias escolares, os melhores dias da minha infância e adolescência.

Naquele mundo do século passado, tive ao vivo valiosas lições de vida, onde a Natureza ensinava ao homem a maneira de sobreviver com os próprios meios, naquele ambiente pouco favorável.
O homem e a Natureza conviviam tão intimamente bem, que neutralizavam os efeitos das secas prolongadas, velhas conhecidas deles. Era um sistema de vida altamente simplificado e solidário, comum em todas aquelas antigas fazendas da redondeza. 

Uma vida fascinante e não poderia deixar de ser, tendo em vista as pessoas simples que ali habitavam, cultivando as tradições e perfeitamente adaptadas ao meio ambiente daquele recanto isolado do Seridó.(*)

(I)-Medeiros Filho. (Olavo – “Velhas famílias do Seridó) Edição do Senado Federal – 1981 pags. 237/8.
(2)-Rio Barra Nova como é chamado hoje, nasce nos contrafortes da Serra da Borburema/Pb, entra no Rio Grandedo Norte na cidade de Ouro Branco, corre no rumo Norte, recebe como afluentes vários riachos de águas fortes como o riacho do Poção, da Timbaúba,  o rio Malhada da Areia e o riacho do Manhoso antes de desguar na represa do Itans em Caicó.  Este rio tem em seu leito o melhor aluvião para agricultura e também para cerâmica. É uma região rica de terras e plagiando Vaz de Caminha, “em se plantando tudo dá.”

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

OS VOOS DO GOVERNADOR


Os Voos do Governador 
 Por ser uma atividade nova, nos idos de 1928, não se usava viajar de avião, era uma prática apenas para profissionais: aviadores, mecânicos e radiotelegrafistas cuidando do correio aéreo. 
Mesmo assim, algumas pessoas ligadas às autoridades, aceitavam convites para um aventuroso voo local.  Era um esforço das empresas aéreas para a população se acostumar com a idéia de voar. Isso aqui em Natal ocorria com alguma freqüência por conta do apoio dado às companhias aéreas pelo  Governo do Estado. 
 Voar ia se banalizando, o próprio Governador estimulava juntando-se a um grupo de entusiasta. Fundaram o Aeroclube local e ele fez construir vários campos de aviação no interior do Estado, que ele próprio utilizava sempre nas viagens que fazia no  transporte aéreo:
“Encurtar  as distâncias era promover o progresso”- era a sua palavra de ordem e ia desvendando as  rotas interiorana do Rio Grande do Norte.
 Tem-se registro de inaugurações feito por ele  próprio em vários municípios, como  Ceará Mirim, Acari, Serra Negra, Lages, e outros.  Teve a ousadia de voar do Rio de Janeiro- Capital Federal- até Natal num voo da CGA sendo ele o único passageiro.
Os voos do governador,como tudo que é novo, davam margens para muitas especulações e comentários.
O poeta potiguar Juvenal Antunes (1908-1987) enviou uma carta rimada ao Presidente:
  “Já sei que andou voando de avião. / O Céu é perto? É longe? É ilusão? Conseguiu qual Bilac ouvir estrelas? / Lá pelos ares há mulheres belas? Si, porém lá em cima é tudo macho / Eu vou me aproveitando cá por baixo.” 
O Presidente Juvenal Lamartine desenvolveu a política do uso do avião como uma forma de integração nacional,servindo como  exemplo  aos futuros governantes do Brasil, país continental e geograficamente cheio de obstáculos, não podia ser diferente. 
Quando foi deposto pela Revolução de 30, o Estado do Rio Grande do Norte já tinha além do Aeroclube com curso de pilotagem, um avião  de treinamento (havia dois aviões biplanos “Bluebird” de fabricação inglesa, mas um deles havia se acidentado com Edgard Dantas.) 
 O curso era ministrado por um instrutor cedido pelo Ministério da Marinha (Cmt. Djalma Petit), e em 1930 já havia diplomado a primeira turma de aviadores. 
 A Aviação começava a se expandir no país e se tornar uma atividade importante na vida do povo brasileiro.