sábado, 23 de janeiro de 2010

UM COCHILO NAS ALTURAS

PBY-CATALINA
Nos anos ‘50 a aviação comercial brasileira vivia momentos de grande euforia. Muitas empresas disputando o mercado nacional, e em consequência disso,havia certa escassez de pilotos.
A oferta de emprego para aviadores era franca, e as empresas aéreas contratavam até jovens pilotos, sem grandes experiências,
para concluir o seu treinamento na própria companhia.

Este fato deu-se também aqui em Natal.



Cargueiro PBY-Catalina da AEROGERAL LTDA

Uma pequena empresa local, a ‘AERO GERAL LTDA’ ,que voava para Santos, pelo litoral, usando os aviões cargueiros Catalina (excedentes de guerra), fez uma proposta por viagens, para novos pilotos, e eu estava entre eles.
De bagagem profissional só tínhamos 200 horas de voo em monomotores,
uma licença recém-expedida, uma sacola de viagem de lona, um surrado blusão de couro e um óculos “Ray-Ban”.
Reduzidos ao status de párias na comunidade do clã dos aviadores profissionais,
éramos tratados como tal, e sobrava para nós todo e qualquer trabalho necessário na operação do voo, além de dividir as etapas com o comandante, pilotando o lerdo Catalina.

Certo dia, havíamos decolado do Rio de Janeiro para o Nordeste, com um cargueiro fazendo todas às escalas da rota:

Vitória, Belmonte, Ilhéus, Salvador (pernoite); Aracaju, Maceió, Recife terminando em Natal.

Em cada pouso, o co-piloto tinha que agir para ancorar o Catalina (hidro) e ajudar na entrega da carga daquele destino, para não atrasar a saída.
Repetia-se isso em todas as escalas.

A tripulação já sentia o desgaste físico de três dias seguidos voando sem o necessário repouso.
Voávamos entre Maceió e Recife, quando o Comandante apontou para o volante indicando que eu assumisse a pilotagem (o Catalina não tinha piloto automático). Ele iria tirar um cochilo.

A aeronave deslizava suavemente naquele ar de temperatura amena no rumo de Recife.
O rádio-operador foi até a cabine dos pilotos e falou-me:

“Quando sobrevoar Tamandaré (município de Pernambuco) avise-me, para dar a posição ao Centro de Controle de Recife”.

– OK. Confirmei.

Naquele momento o Comandante já dormia com a cabeça num travesseiro, encostado na janela lateral.

O Catalina nivelado, voo de cruzeiro a seis mil pés de altura, alguns cúmulos esparsos, céu azul nordestino sem turbulência.

A luminosidade intensa castigava os meus olhos, apesar da proteção do “Ray-Ban”.
O cansaço se manifestou e foi invadindo o meu corpo.
O ar rarefeito frio que entrava pelas frestas do pára-brisa, o silêncio dentro da cabine, o ronrom musical dos motores bem sincronizado, foram o suficiente para me ‘embalar’, e pouco tempo depois, eu dormia o ‘sono dos justos’.

Uns dez minutos pelo menos decorreram, quando o rádio-operador voltou à cabine, tocou no meu ombro e veio a pergunta crucial:

“Cadê Tamandaré?!!!...”

Nesse momento despertei espavorido, e me dei conta de que a cidade de Tamandaré já tinha ficado para trás e sobrevoávamos a praia de Piedade nos arredores de Recife.
Reconheço à falha, o susto foi grande,um procedimento de risco causado pelo estado de estafa que estávamos acometidos.
O Comandante sonhava nos "braços de Morfeu",e nunca tomou conhecimento desse fato.


Atualmente, a profissão de aeronauta no Brasil, é regulamentada através da Lei Nº 7.183, de 05 de abril de 1984,e um dos propósitos, é evitar o comprometimento da saúde física e mental das tripulações,elaborada em turnos de repouso a jornada de trabalho.

************

Nenhum comentário:

Postar um comentário