quinta-feira, 10 de março de 2011

TIMBAÚBA VIII



ALGODÃO “INTEIRO” OU “RIM DE BOI”

Ilustração de Dorian Gray

      
Não se conhece qualquer registro que possa identificar quando foi implantado o primeiro roçado de algodão, na Fazenda Timbaúba.  O único ponto de referência foi às palavras do velho Zuza falecido aos 88 anos de idade em 1942. 

 Ele sempre comentava, ao se referir ao roçado localizado atrás da Casa Grande: “... quando eu era menino o meu pai já chamava, o roçado velho.” Presume-se que seja da época da instalação da Fazenda, que se estima em 1833. (*)
Naquela época só se cuidava da criação e, certamente desmataram ali uma quadra (50 x 50 braças), para plantar milho no inverno, “para comer verde”.
 Uma vez que a terra estava disponível e as mulheres necessitavam de algodão para fiar; era muito natural que se plantassem, junto com o milho, algumas fileiras do algodoeiro. 

Também não se tem notícia que algodão era aquele, pois não havia lavoura organizada; a semente usada era a que fosse encontrada disponível.  No final do século, porém, já havia um algodão preferido pelas fiandeiras; a variedade conhecida pelo apelido de “Inteiro” ou “Rim de boi.”
Uma espécie muito rústica, que vegetava bem nos altos e no chão pedregoso; produzia capulhos enormes, de lã sedosa e fibra longa. Os pés tinham a tendência a crescer muito e engrossar o tronco, quando iam ficando mais velhos. 

 Nos terrenos de várzea costumavam “machiar”, pés muito viçosos, porém sem produção. De onde esse algodão veio ninguém sabe, porém ele era conhecido e procurado pelas qualidades próprias para fiar, produzindo um fio sedoso e forte, bom para pavios de lamparina, tecer redes ou mesmo tecidos para as roupas da época.
A minha mãe, que nasceu na Fazenda Timbaúba, no início do século, dizia que esse algodão era encontrado no meio dos outros e colhidos separadamente. Costumavam deixá-lo ao sol, para ficar bem seco, depois era submetido a um tratamento de sova, com uma varinha flexível de marmeleiro, ou mesmo com uma flecha da macambira de pedra. 
Esse tratamento visava desagregar a semente e facilitar o descaroçamento, feito à mão. 
          O algodão “Rim de Boi” poderá ter sido o ancestral do Algodão Mocó (Gossypium Purpurascens Pior), que ainda é plantado em todo o Seridó.  Sobre esse algodão, cujo melhoramento, esteve a cargo dos agrônomos Octávio Lamartine de Faria,  Fernando Melo em Cruzeta, e Carlos Faria, em São Miguel dos Marinheiros, cuja origem  não chegaram a uma conclusão.

Algodão “Rim de boi”- Na ribeira das Espinharas, Fazenda das Carnaúbas esse algodão já era conhecido; o meu pai, cuja infância foi toda passada na citada fazenda, deu o seguinte depoimento: “ o velho Clementino Monteiro de Faria, meu avô, dizia que brocou a chã da Serra Negra, no final de 1874 e no inverno de 75, plantou ali um roçado de milho e feijão. 
 A chã da serra era  preferida para  roçados, pelo fato  de ser inaccessível  ao gado, criado solto no campos abertos, sem cercados.  Lá em cima ele não ia, pois  tinha as trilhas tomadas por “ramadas”. 
Esse roçado existiu  por muitos anos; durante algum tempo, ele foi tratado por um “cabra”  da Serra do Teixeira que, por motivos óbvios, preferia morar lá em cima. 
 Foi nesse local que, muitos anos depois, foi encontrado, em estado semi-selvagem, o algodão ”Rim de boi” e cujas sementes  foram colhidas e plantadas nas terras da Fazenda Carnaúbas”.  
Adiantou meu pai que, o nome “Inteiro” ou “Rim de Boi” decorria da semelhança das referidas sementes, quando agrupadas, com os órgãos do boi, os testículos e o rim.    
          Ainda sobre o algodão “Rim de Boi” tem um relato que merece ser divulgado, pela pureza da história, mesmo que ela possa parecer uma lenda. 
Essa página foi registrada por Janúncio  Bezerra da Nóbrega, no seu livro, “Revendo  o Seridó” (Editora Clima – 1981, pags. 50 e 51).
 
Ali, ele transcreveu uma carta recebida da Irmã Savéria, religiosa seridoense, residente no Rio de Janeiro, cujo nome verdadeiro é Anna Celsa de Araúja Dantas.
 Ela afirma ser neta de Francisco Raimundo de Araújo, da “Fazenda Água Doce”, e faz o seguinte relato, a respeito da descoberta do algodão mocó, pelo seu avô:
 “Caçando mocó, sua caça preferida, encontrou, numa loca, o precioso “ouro branco” e, colhendo os robustos capulhos, levou para casa, fazendo em seguida uma plantação especial. Teve a idéia de plantar nos altos, abrindo covas com dinamite e depois de adubado, novas plantas eram feitas. O resultado foi surpreendente e por intermédio do tio Joaquim (das Virgens?), enviou amostras da fibra longa para uma exposição em Nova York, ganhando ali a medalha de ouro.

 Chamou tanto a atenção, que o Dr. Anphilóquio Câmara acompanhou uma expedição de 21 engenheiros agrônomos norte-americanos para visitar a fazenda. Também nesse sentido esteve lá o Marechal Rondon e muitas outras pessoas.
 Meu avô também era uma preciosidade!...”
         
É uma história interessante, que envolve a figura de Francisco Raimundo de Araújo, a quem o Nordeste deve o algodão mocó e considerado um “sábio empírico” pelo técnico inglês Arno Pearce, que em 1922, publicou o livro “Brazilian Cotton” sobre sua missão no Brasil de introduzir técnicas de expansão da cotonicultura. 
         
A “Fazenda Água Doce” está localizada entre a cidade de Acari e Cruzeta, e, segundo Januncio Bezerra da Nóbrega, nascido na Fazenda Saquinho, em 1901, esse algodão era muito conhecido nas chãs das serras vizinhas.
         
É um tema palpitante, que vem dando dor de cabeça nos pesquisadores do assunto.  É pena que já não existam mais no Seridó, nem mesmo na Fazenda Timbaúba, algodoeiros sobreviventes do algodão “Inteiro” ou “Rim de Boi”, para documentar a história do “ouro branco” que a Fazenda Timbaúba também ajudou a escrever.
  
(*) Zuza Gorgônio, filho caçula do segundo matrimônio de Gorgônio Paes de Bulhões, nasceu no ano de 1854, dois anos antes da construção da Casa Grande da Fazenda Timbaúba.

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