terça-feira, 29 de março de 2011

TIMBAÚBA - IX

Ilustração de Dorian Gray

OS TRABALHOS ARTESANAIS

Liderados por D. Nanú, minha avó, quase todas as mulheres da fazenda se ocupavam com trabalhos artesanais. Renda de almofada, crochê, varanda de rede, roupas costuradas à mão ou com pequenas máquinas movidas à mão e  trança de cebolinha roxa. Não havia mercado, na época, para esses produtos, de grande valor criativo.
A palha de carnaubeira, muito abundante no vale do  rio, era aproveitada na confecção de chapéus, esteiras, bolsas, vassouras etc.
A fibra do linho( agave) e a crina colhida na apara da cauda das reses, eram transformadas em cordas. Os cabrestos, arreadores, cordas própria de armar redes, cordas para tarrafas, era produzidas ali mesmo. O velho Zuza era um especalista nesse tipo de trabalho manual.
Artigos de madeira e couro eram ali produzidos. Caixão de anjos, caixão para depósito de farinha, armários, paus de cangalhas, cangas, eixo de carro de bois,  e seus accessórios, cunhas, fueiros, cantadeiras, tudo se fabricava. 
 As medidas oficiais (cuias de 5 litros), eram feitas de madeira de cumaru, com muito capricho, para ninguém sair perdendo.  Farinha de mandioca, cereais e até mesmo batatas  doce, eram comercializada
usando essas medidas.
Havia  um mestre carpinteiro trabalhando permanentemente, para atender às necessidades da fazenda.
Os artigos de couro, com excessão das selas e das roupas de vaqueiro, que eram fabricadas  no Sítio Logradouro do velho Enéias Batista, ou no Sabugi, resultavam da criatividade local.  Arreios, peias, esteira de sela, cabresto, máscars, urus, surrão, alpercatas, relhos e tudo mais  que fosse necessário em couro.  Pouquíssimas peças eram encomendadas fora, pois a Fazenda era auto-suficiente em tudo.

Havia na Fazenda um tropeiro, Manoel Libâneo, que além das suas funções, confeccionava cangalhas de esteira de carnaúba para atender aos burros que conduziam, normalmente, carga pesada.
Eram cangalhas especiais para que os burros agüentassem o peso da carga sem se machucar.  O tio Zé Gorgônio era especialista em cordas ou arriadores  de crina.  Periodicamente ele parava  na Fazenda Timbaúba para repor as cordas  que estavam se estragando.          
           

segunda-feira, 28 de março de 2011

TIMBAÚBA - XIII

Ilustração de Dorian Gray

Os Queijos

Na produção de alimentos havia uma boa variedade para o uso em casa: cocadas, batata doce, beijus, tapiocas, cuscuz, filhóes, bolo de batata doce, de mandioca,  de milho, biscoitos de goma, sequilhos, chouriço de sangue de porco, doce seco com goiaba, de côco verde, lingüiça, canjica de milho verde, pamonhas e vários outros produtos.  Entretanto, só os queijos de manteiga representava uma atividade lucrativa, embora produzidos de forma artesanal. 

Conheci a Fazenda, com uma produção semanal de uma arroba de queijos, nos aureos tempos da velha Nanú, dirigindo tudo com energia.  Por ser conservadora, não admitia qualquer tipo de inovação nos métodos de produção; nunca aceitou a desnatadeira, uma máquina que aumentava a produção da manteiga, embora prejudicando um pouco a qualidade dos queijos.
Por essa razão os queijos ali produzidos, eram do tipo “gordo”, alcançando, nas feiras de Caicó, um melhor peço, eram ferrados com a letra “Z”, que se tornou marca conhecida no Seridó.

O processo de fabricação era o mais rotineiro   possível. A coalhada, escorrida em saco de pano (algodãozinho), era levada ao fogo numa trempe, em tachos de cobre para cozinhar no leite cru.  Quando atingia aquele  ponto de massa de pão trabalhada, tirava-se do fogo com ajuda de uma cuia, despejava-se em urupembas, colocadas  na boca de alguidares, para escorrer. Espremia-se com as mãos até tirar todo o soro. 
Picava-se em pequenos pedaços e salgava-se. Em seguida era levada ao fogo brando, no mesmo tacho de cobre, para cozinhar na manteiga líquida, de garrafa.  Quando se transformava numa massa uniforme, pastosa, sem nenhum  caroço e fervente, colocava-se nas formas de madeira (cinchos). 
 No dia seguinte, o queijo era tirado do cincho e engomado com ferro quente (daqueles antigos de passar roupa) para criar casca.  O soro decorrente da fabricação do queijo, era levado ao fogo para apurar.  A espuma que ia subindo, era recolhida e posteriormente, voltava ao fogo para ser apurada e transformada em manteiga do sertão.  Era uma operação demorada, que ocupava  uma pessoa o dia inteiro,na beira do fogo.
Quanto aos queijos de coalho, só eram feitos para o consumo da casa.  Era a maneira de se aproveitar as sobras de leite. O processo era também primitivo. 
Usava-se  um soro preparado com  o rúmen de carneiro ou de gado (tanto fazia), para fazer coalhar o leite. Duas horas depois, estava pronto para ser trabalhado e transformados em queijos.
 Era espremido à mão e em pequenos  cinchos de madeira. A salga era feita depois do queijo pronto e submetido a uma fervura rápida, ou melhor, um banho em água fervendo ( a água poderia ser substituída pelo soro com sal decorrente do próprio queijo que se chamava de salmora.)
Tudo terminado, os queijos eram colocados em tábuas para repousar e tomar o sal, de preferência em lugar arejado.  No dia seguinte, estavam prontos para o consumo.  Esses queijos nunca eram vendidos, consumia-se na mesa da Fazenda, ou faziam parte do farnel dos vaqueiros, nos seus alforges, quando saiam para um dia de campo, nos fundos da propriedade.

A diferença entre o queijo gordo e o magro estava na preparação,  no primeiro caso, a coalhada era cozida  em leite natural, no segundo era no leite desnatado. Quanto ao queijo de coalho havia também a diferença. O leite que era separado para coalhar, poderia ser natural ou desnatado, tinha o mesmo processo do queijo de manteiga.
Quanto aos mestres-queijeiro, na Fazenda Timbaúba, o assunto era da alçada de D. Nanu ou de Teodora, a filha mais velha.   

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quinta-feira, 24 de março de 2011

TIMBAÚBA - XII

Ilustração de Dorian Gray


O ENGENHO

O ENGENHO DE RAPADURAS, nunca chegou a ser uma atividade expressiva. Os açudes não davam bons canaviais.  Mesmo assim, havia um pequeno engenho (Banguê) que, de tempos em tempos, era mudado de lugar para aproveitar o canavial da fazenda ou para atender algum vizinho parente. Era montado ao relento; só o “cozimento”, era abrigado sob um telheiro.

  Quando conheci, estava instalado nas imediações do açude novo (Goití), nas terras lá do fundo da propriedade. Era um equipamento dos mais simples, de tração animal com moendas em pé. Uma almanjarra, onde era atrelado uma junta de bois a girar o dia inteiro, com intervalos para descanso.

Um homem colocado ao pé do engenho, ia metendo  entre as moendas, duas canas de cada vez; a garapa caia nas calhas e era conduzida para as tachas do “cozimento”.
Esse por sua vez, era composto de cinco tachas instaladas em cima de uma fornalha de alvenaria, alimentada à lenha. A garapa escorria para primeira tacha, onde começava a fervura e limpeza do caldo.  Usando cuias, presas em varas, tinha-se um instrumento rústico, igual a uma concha grande (“passadeira”), usado para transferir o caldo quente de uma tacha para outra, de acordo com o andamento do processo de cozimento.

Na última tacha, a menor de todas, o caldo já apurado e transformado em mel, permanecia fervendo até atingir o ponto de rapadura; daí era transferido para as gamelas, colocadas em cima de mesas, onde também já se encontravam as formas.  À medida que ia esfriando e açucarando, ia sendo “informadas”, com ajuda de palhetas de madeira. 
A esse ato de “informar”, chamava-se “caxiar”, derivado da palavra caixa. As formas eram de madeira de lei; uma prancha “informava”, de uma só vez, uma média de 15 rapaduras.
O “mestre de rapaduras” era um especialista exigido no engenho, que trabalhava no “cozimento”; por ser uma atividade muito específica, era contratado fora. 
Esses mestres ainda existem no Seridó e trabalham sob contrato verbal, porém muito respeitado. Atualmente eles voltam aos mesmos engenhos e, quando solicitados, normalmente dizem: “... vou tirar a moagem da Fazenda...”

A produção de rapaduras, na Fazenda Timbaúba, sempre foi muito pequena, em média de 15 cargas por moagem, atendendo apenas ao consumo interno da Fazenda.  A rapadura ali fabricada, não tinha o valor comercial daquelas vindas do Brejo ou do Cariri.  
Do mesmo modo como a farinhada, a moagem era mais um acontecimento social do que uma atividade econômica. Era pretexto para as visitas, os encontros, os namoros e, conseqüentemente, os casamentos. 
 Para os meninos a moagem representava mais uma diversão na Fazenda, onde eles bebiam a garapa, faziam puxa-puxa, alfinim e brincavam na bagaceira.
O engenho foi desmontado aí por volta de 1940, no período em que o velho Zuza já não tinha muita atividade por conta da idade.

O engenho era tocado pelo pessoal fixo da Fazenda. Havia, no entanto, duas figuras que aparecia lá e eram contratados, o Sr. Jeremias Herculano que fazia questão e ser o “sevador” de cana no engenho ( aquela pessoa que abastece o engenho com cana para esmagar e tirar o caldo) e o mestre de rapadura, um amigo do tio José Gorgônio, cujo nome nunca consegui gravar;sei que  era natural daquela área de Caicó e sempre atendia ao meu tio José.      

segunda-feira, 21 de março de 2011

TIMBAÚBA - XI

Ilustração de Dorian Gray

A “CASA DE FARINHA”

            Outra pequena indústria decorrente da agricultura era a “CASA DE FARINHA”. A mandioca “Manipeba”, variedade tardia, plantada no salto do algodão, dava grande volume de raízes e a farinha era de primeira qualidade. Plantada e colhida de um ano para o outro, logo após a colheita do algodão, quando então era feito a desmancha ou farinhada.  

 Era uma atividade integrante, pois ocupava toda a mão de obra ociosa existente. Desde meninos, mulheres e homens; havia trabalho para todos. A desmancha mais parecia uma festa; além do pessoal da casa, apareciam sempre visitantes que, de certa forma, davam alguma colaboração, puxando a roda, cevando ou raspando a mandiocas.  
            A “Casa de Farinha”, localizada ao lado da Casa Grande, quase atrás, ainda está lá, pronta para ser usada. É um mecanismo dos mais simples e rotineiro, dos muitos que existem por todo Nordeste; uma roda de madeira, com aproximadamente um metro e meio de raio, montado em cavaletes de madeira, fincados no chão. 
 Um veio centrado de ferro serve de apoio a uma parelha de homens fortes, que aciona a roda. Uma correia torcida de couro cru (relho) transmite ao “rodete”, que atinge alta rotação, para conseguir triturar as raízes que se transformam em massa.  
            O “rodete” é um tarugo de madeira, em forma de rolo, com serrinhas de aço, aplicadas longitudinalmente destinadas a desmanchar a mandioca.  A massa conseguida, depois de lavada, para tirar a goma, é enxuta na prensa, peneirada e levada ao forno para torrar, terminando aí a operação de fabricação da farinha. 

            A prensa, feita em madeira, muito se assemelha à prensa de enfardar algodão, sendo em menor proporção. Um fuso, também em madeira, acionado por paus que fazem as vezes de almanjarras, uma concha, onde a massa é contida e espremida, com ajuda de folhas  de carnaubeira.
            O forno, que me parece, deveria ser chamado de torrador, é uma alvenaria de tijolos especiais, refratários, em forma de mesa, embaixo da qual tem uma fornalha, que ativada com lenha de jurema, muito abundante na região. No forno, onde se processa a última etapa na fabricação da farinha, também se assam bejús, tapiocas ou bolos de mandioca com coco.
 Com a “Casa de Farinha”, a Fazenda Timbaúba produzia e armazenava farinha de mandioca e goma para o ano inteiro, através da cobrança da conga, que era a parte da produção que tocava a fazenda. Da farinha, era em média uma cuia para fazenda e seis para o proprietário da mandioca desmanchada. 
  Quanto à goma se observava o mesmo sistema, porém, numa proporção diferente (uma maior parcela para a fazenda). Havia sempre um acerto prévio, com vista a esses critérios.
* Curiosamente, a parte de tirar a goma, lavá-la e armazená-la, era trabalho das mulheres.  D. Nanú, a dona da “casa de farinha” não abria mão, ela levava uma equipe de mulheres servidoras da casa grande para fazer essa tarefa.  Antes de a massa ir para prensa, era coada num tecido de algodão da malha bem fina, e assim, se conseguia uma goma de alta qualidade.    

sábado, 19 de março de 2011

TIMBAÚBA - X

Ilustração de Dorian Gray

O VAPOR

Uma decorrência da implantação da agricultura, no início do século, foi o descaroçador de algodão, conhecido popularmente por “Vapor”(*). 
O nome era por conta da caldeira, que acionava o maquinário que fazia a operação de separar a  pluma da semente: um locomóvel a vapor, que mais parecia uma antiga locomotiva de estradas de ferro invertida.

   Era constituído de uma caldeira horizontal, acionada a lenha, com um mecanismo transformador de força, montado em cima dela, com eixos volantes e polia.  
A força gerada pela pressão da caldeira fazia funcionar todo o sistema, que  transmitia o movimento de rotação, através de uma correia, à máquina de descaroçar.

   Esses equipamentos eram bem simples: um eixo recebia o movimento de rotação  através da polia; montada nele havia várias serras circulares de aço; entre elas descia uma espécie de costelas numa tampa de madeira de forma abaulada. 

 No espaço formado entre a tampa e as serras, o algodão em caroço era jogado lentamente, formando ali um rolo, que girava continuamente, fazenda a separação.  Enquanto as sementes caiam embaixo, a lã era empurrada para trás por ventiladores e, rolos de madeira desciam em forma de pasta prontas para enfardar.
A prensa de madeira, muito rústica, composta de uma caixa desmontável, fuso de madeira e almanjarras, a lã era prensada em fardos de 45 quilos, num trabalho árduo, realizado por dois homens robustos.

O fardo era envolto em estopa de algodão e contido por fios de arame liso. Os fardos prontos eram transportados para  Jardim do Seridó ou Caicó, em costas de burro e comercializados por cargas de lã(1).

 Em relação ao “caroço” do algodão, como não havia mercado para ele, ainda não era industrializado na região,   era  armazenado em estado natural  e consumido pela gado e a miunça da fazenda.
       Essa pequena industria rural funcionava com o próprio pessoal da fazenda, que ficava ocioso após a colheita dos roçados. 
       O “Vapor” ocupava os prédios separados da Casa Grande e esteve ativo até os anos 50, algum tempo, ainda depois da morte do velho Zuza.

  (1)- Carga de lã. Dois fardos pesando cada um 45 quilos no total de 90 quilos ou 6 arroubas.

(*) – No livro “Encontro com a Natureza”, do poeta popular de Caicó/RN,  Antônio Sobrinho, ele escreveu o seguinte verso, inspirado  no “Vapor” que ele conheceu:

“Lá na casa do Vapor
Só ferro velho avistei
E na fornalha eu passei
Olhando aquele setor
Onde era reino do amor
Hoje é reino de tristeza
Não tem lamparina acesa
Por dentro do casarão
Só silêncio e solidão
Por ordem da natureza.”

(1)- Croá ou Caroá – Fibra vegetal colhida no sertão de Pernambuco, usado na fabricação artesanal de cordas.
(2)- “Carga de lã”.  Dois fardo pesando cada um 45 quilos, no total de 90 quilos ou 6 arrobas.

Essa pequena indústria rural era operada pelo mesmo pessoal que trabalhava na agricultura da  fazenda. Tenho  na mente a imagem de todos, mas os nomes já me falham.

  Àqueles cujos nomes ainda restam na minha memória são:
Pacheco – foguista, Chico David trabalhava junto a máquina de descaroçar, os irmãos Tomaz  que trabalhavam na prensa,
Manoel Libânio – tropeiro, Murixaba – o mensageiro.   





domingo, 13 de março de 2011

TIMBAÚBA IX


Ilustração Dorian Gray

IX - OS ANIMAIS DE TRABALHO



Os animais de trabalho são peças necessárias no funcionamento de uma fazenda de criar.  A importância era ainda maior na Fazenda Timbaúba, pelo espírito tradicionalista de se fazer as coisas. 
 Ali, usava-se o animal de trabalho em quase todas as funções possíveis.  Por um motivo que eu só vim descobrir depois, eram certas peculiaridade de cada animal: o cavalo tem o casco que não suporta o chão pedregoso do Seridó; em poucos dias de trabalho, está estropiado. Em seu lugar, usava-se o burro mulo, que tem um casco tipo concha, rusticidade e resistência física. 
Os vaqueiros tinham os “burros de campo” para o trabalho de vaquejador, os “burros de sela” para suas viagens, alguns macio de andar e preferidos pelo velho Zuza; a “tropa de burros” estava sempre pronta para transportar a qualquer carga pesada desde a Fazenda Timbaúba, para onde fosse necessário.

  Os jumentos ou jegues faziam o serviço mais leve e a pequenas distâncias: transporte de água nas “ancoretas”, lenha para abastecer a casa, e ração para as vacas de leite. Os animas de tração eram os “bois mansos” que puxavam o “carro de bois”, os cultivadores, o engenho de rapaduras, e o couro de mover terra, muito usado na manutenção e limpeza das “cacimbas de beber” do gado, cavada no leito do rio.  
            Por uma questão de justiça, tem que se registrar como animal de trabalho, os cachorros dos vaqueiros. Lá havia vários deles; um preto chamado de “Veludo” era o melhor auxiliar de vaqueiro.  Ajudava a localizar os bezerros das vacas “paridas no mato” e segurar um novilho brabo, pelas ventas, enquanto chegava o vaqueiro para contê-lo.  
            Os carneiros, amansados para o divertimento dos meninos, também faziam parte do patrimônio da Fazenda, compondo uma espécie de setor recreativo.
            Os animais de trabalho recebiam um tratamento especial pela sua importância.  Os burros, cavalos e jumentos, tinham direito, diariamente, uma mochila de milho, pela manhã.
Os “bois mansos” comiam uma ração de caroço de algodão, ao meio dia. Quanto aos carneiros, viviam pelo terreiro da Casa Grande, aproveitando os restos de ração dos outros animais e recebiam uma ração especial de batata doce picada, para mantê-lo com o pelo fino. 
 Os cachorros recebiam restos de comida da mesa, soro de queijo o leite cru cedinho no curral. Esses seres formavam uma classe especial de animais da fazenda, tratados todos como muito carinho e respeito, mesmo quando em função.

“Anda a frente boi mansinho
Anda a frente sem parar!
Obedece ao seu carreiro
Que te ordena a caminhar!”(1)

(1)            Tejo/Orlando – “Zé Limeira, o poeta do absurdo”
União Companhia Editora – J. Pessoa – 1978
4ª. Edição pág. 162.

  As “burras de sela”, nas fazendas, eram animais especiais.   Possuíam dotes individuais, como passadas macias, “galopes em cima da mão” e resistência física, que as tornavam preferidas.
Essas qualidades só se encontravam nas fêmeas, nos machos, dificilmente era encontrado um com aquelas qualidades. 
 O velho Zuza, meu avô materno, tinha a sua burra preferida com o nome de “Manchada” por conta de uma mancha grande na pelagem. A do meu pai chamava-se “Desejada” uma bela montaria trazida lá da ribeira do Espinharas. Era costume da época, selecionar essas burras exclusivamente para os proprietários das fazendas. Elas substituíam os veículos motorizados que ainda não haviam se popularizado no sertão.  



Extraído do livro "TIMBAÚBA - Uma fazenda no século XIX" -Nossaeditora Ltda-1984-Natal/RN


quinta-feira, 10 de março de 2011

TIMBAÚBA VIII



ALGODÃO “INTEIRO” OU “RIM DE BOI”

Ilustração de Dorian Gray

      
Não se conhece qualquer registro que possa identificar quando foi implantado o primeiro roçado de algodão, na Fazenda Timbaúba.  O único ponto de referência foi às palavras do velho Zuza falecido aos 88 anos de idade em 1942. 

 Ele sempre comentava, ao se referir ao roçado localizado atrás da Casa Grande: “... quando eu era menino o meu pai já chamava, o roçado velho.” Presume-se que seja da época da instalação da Fazenda, que se estima em 1833. (*)
Naquela época só se cuidava da criação e, certamente desmataram ali uma quadra (50 x 50 braças), para plantar milho no inverno, “para comer verde”.
 Uma vez que a terra estava disponível e as mulheres necessitavam de algodão para fiar; era muito natural que se plantassem, junto com o milho, algumas fileiras do algodoeiro. 

Também não se tem notícia que algodão era aquele, pois não havia lavoura organizada; a semente usada era a que fosse encontrada disponível.  No final do século, porém, já havia um algodão preferido pelas fiandeiras; a variedade conhecida pelo apelido de “Inteiro” ou “Rim de boi.”
Uma espécie muito rústica, que vegetava bem nos altos e no chão pedregoso; produzia capulhos enormes, de lã sedosa e fibra longa. Os pés tinham a tendência a crescer muito e engrossar o tronco, quando iam ficando mais velhos. 

 Nos terrenos de várzea costumavam “machiar”, pés muito viçosos, porém sem produção. De onde esse algodão veio ninguém sabe, porém ele era conhecido e procurado pelas qualidades próprias para fiar, produzindo um fio sedoso e forte, bom para pavios de lamparina, tecer redes ou mesmo tecidos para as roupas da época.
A minha mãe, que nasceu na Fazenda Timbaúba, no início do século, dizia que esse algodão era encontrado no meio dos outros e colhidos separadamente. Costumavam deixá-lo ao sol, para ficar bem seco, depois era submetido a um tratamento de sova, com uma varinha flexível de marmeleiro, ou mesmo com uma flecha da macambira de pedra. 
Esse tratamento visava desagregar a semente e facilitar o descaroçamento, feito à mão. 
          O algodão “Rim de Boi” poderá ter sido o ancestral do Algodão Mocó (Gossypium Purpurascens Pior), que ainda é plantado em todo o Seridó.  Sobre esse algodão, cujo melhoramento, esteve a cargo dos agrônomos Octávio Lamartine de Faria,  Fernando Melo em Cruzeta, e Carlos Faria, em São Miguel dos Marinheiros, cuja origem  não chegaram a uma conclusão.

Algodão “Rim de boi”- Na ribeira das Espinharas, Fazenda das Carnaúbas esse algodão já era conhecido; o meu pai, cuja infância foi toda passada na citada fazenda, deu o seguinte depoimento: “ o velho Clementino Monteiro de Faria, meu avô, dizia que brocou a chã da Serra Negra, no final de 1874 e no inverno de 75, plantou ali um roçado de milho e feijão. 
 A chã da serra era  preferida para  roçados, pelo fato  de ser inaccessível  ao gado, criado solto no campos abertos, sem cercados.  Lá em cima ele não ia, pois  tinha as trilhas tomadas por “ramadas”. 
Esse roçado existiu  por muitos anos; durante algum tempo, ele foi tratado por um “cabra”  da Serra do Teixeira que, por motivos óbvios, preferia morar lá em cima. 
 Foi nesse local que, muitos anos depois, foi encontrado, em estado semi-selvagem, o algodão ”Rim de boi” e cujas sementes  foram colhidas e plantadas nas terras da Fazenda Carnaúbas”.  
Adiantou meu pai que, o nome “Inteiro” ou “Rim de Boi” decorria da semelhança das referidas sementes, quando agrupadas, com os órgãos do boi, os testículos e o rim.    
          Ainda sobre o algodão “Rim de Boi” tem um relato que merece ser divulgado, pela pureza da história, mesmo que ela possa parecer uma lenda. 
Essa página foi registrada por Janúncio  Bezerra da Nóbrega, no seu livro, “Revendo  o Seridó” (Editora Clima – 1981, pags. 50 e 51).
 
Ali, ele transcreveu uma carta recebida da Irmã Savéria, religiosa seridoense, residente no Rio de Janeiro, cujo nome verdadeiro é Anna Celsa de Araúja Dantas.
 Ela afirma ser neta de Francisco Raimundo de Araújo, da “Fazenda Água Doce”, e faz o seguinte relato, a respeito da descoberta do algodão mocó, pelo seu avô:
 “Caçando mocó, sua caça preferida, encontrou, numa loca, o precioso “ouro branco” e, colhendo os robustos capulhos, levou para casa, fazendo em seguida uma plantação especial. Teve a idéia de plantar nos altos, abrindo covas com dinamite e depois de adubado, novas plantas eram feitas. O resultado foi surpreendente e por intermédio do tio Joaquim (das Virgens?), enviou amostras da fibra longa para uma exposição em Nova York, ganhando ali a medalha de ouro.

 Chamou tanto a atenção, que o Dr. Anphilóquio Câmara acompanhou uma expedição de 21 engenheiros agrônomos norte-americanos para visitar a fazenda. Também nesse sentido esteve lá o Marechal Rondon e muitas outras pessoas.
 Meu avô também era uma preciosidade!...”
         
É uma história interessante, que envolve a figura de Francisco Raimundo de Araújo, a quem o Nordeste deve o algodão mocó e considerado um “sábio empírico” pelo técnico inglês Arno Pearce, que em 1922, publicou o livro “Brazilian Cotton” sobre sua missão no Brasil de introduzir técnicas de expansão da cotonicultura. 
         
A “Fazenda Água Doce” está localizada entre a cidade de Acari e Cruzeta, e, segundo Januncio Bezerra da Nóbrega, nascido na Fazenda Saquinho, em 1901, esse algodão era muito conhecido nas chãs das serras vizinhas.
         
É um tema palpitante, que vem dando dor de cabeça nos pesquisadores do assunto.  É pena que já não existam mais no Seridó, nem mesmo na Fazenda Timbaúba, algodoeiros sobreviventes do algodão “Inteiro” ou “Rim de Boi”, para documentar a história do “ouro branco” que a Fazenda Timbaúba também ajudou a escrever.
  
(*) Zuza Gorgônio, filho caçula do segundo matrimônio de Gorgônio Paes de Bulhões, nasceu no ano de 1854, dois anos antes da construção da Casa Grande da Fazenda Timbaúba.

quarta-feira, 9 de março de 2011

TIMBAÚBA VII

Ilustração de Dorian Gray


A LAVOURA


A década de 1860/70 foi de grande atividade política, na Província. Destacaram-se, nesse período, as lideranças de Amaro C. Bezerra Cavalcanti e do Coronel Bonifácio F. Pinheiro da Câmara.
            “Fora do terreno político, a vida na Província seguia o seu curso natural, em perfeita calma e normalidade. Apesar de lento, o progresso era estável e seguro; por ocasião da guerra civil nos Estados Unidos, quando os preços do algodão(1), subindo exageradamente, provocaram  o aumento da produção dessa fibra. 
Neste período, dois outros fatores também tiveram grande repercussão na vida do sertanejo: - dois anos de seca (1860 e 1870) os demais escassos, perturbando a economia do homem do sertão.  
- Um surto de cólera, dizimando a população, atingindo quase todas as famílias, especialmente as do interior (2).

            Apesar desses trágicos acontecimentos, os altos preços alcançados pelo algodão incendiaram os sertanejos, deflagrando praticamente a implantação dessa lavoura, na Província, a qual até então só cuidava do seu expressivo rebanho bovino.  
            Esses fatos também atingiram a Fazenda Timbaúba, fazendo com que o seu proprietário plantasse os primeiros roçados nas várzeas do rio do Espírito Santo (Barra Nova). Praticamente é dessa época o início da nova atividade.
  A partir daí, passou-se a plantar também o milho, o feijão macassa, a mandioca manipeba, no meio do algodoal.
 A lavoura do algodão tomou grande impulso no início do Século, já na gestão de Zuza Gorgônio, com o uso da semente do algodão Mocó e das primeiras máquinas agrícolas de tração animal (cultivadores).

 Do ponto de vista agrícola, a Fazenda Timbaúba tornou-se uma das mais importantes de região, pela riqueza de suas terras de aluvião, assim como pela qualidade do algodão produzido.  Era auto-suficiente em cereais (milho, feijão), além de produzir frutas, cocos e batata doce.  Tinha bons moradores, alguns deles vindos do Brejo da Paraíba, especialistas em lavoura de subsistência, assim como grandes plantadores de vazantes, nas areias do rio.
(1)            Tavares de Lira – obra citada.
(2)            Guerra/Phelippe e Teófilo – “Secca contra Secca – Edição Fundação Guimarães Duque- Coleção Mossoroense ESAM Vol XXIX (Treceira Edição) p.


Nesse período a Fazenda Timbaúba dispunha de uma ótima equipe de “moradores” (colonos), que não poderia deixar de citá-los, pela importância com que desempenharam na fazenda as suas funções, com hombridade e zelo. As famílias “brejeiras” do Sr. David e Sr. João Fonfon, e os respectivos filhos, a família dos Libânios, dos Tomaz, seridoenses dalí mesmo e, os vaqueiros Zé Gordinho e  Zé Chico. Esses auxiliares sob as ordens de D. Nanú, fizeram daquela fazenda exemplo de uma propriedade modelo da época